Por que ter uma fábrica da Tesla no Brasil é algo improvável
Bruno Romani, Cleide Silva e Giovanna
Wolf
O presidente Jair Bolsonaro disse nesta sexta-feira, 21, que
pretende atrair para o Brasil uma fábrica da montadora de carros
elétricos Tesla. A afirmação animou fãs da marca no País,
mas terá de superar grandes obstáculos para se tornar realidade, afirmaram
analistas ao Estado. Isso porque o mercado brasileiro de carros
elétricos ainda é muito pequeno e o portfólio da Tesla mira o segmento de
veículos de luxo. Além disso, a empresa não se encontra num momento propício
para se expandir para o País ou a América Latina.
“Do ponto de vista técnico, fábrica da Tesla no
Brasil não faz sentido. Está mais para um sonho do que para qualquer coisa
real. É um sonho de quem não entende do mercado de automóveis”, afirma Paulo
Cardamone, da consultoria Bright Consulting.
No ano passado, foram vendidos no mercado
brasileiro 538 carros 100% elétricos, segundo a Associação Nacional dos
Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), de um total de 2,26 milhões de
automóveis comercializados no País. Com a importação por parte das montadoras
de veículos elétricos, as vendas vêm crescendo anualmente, mas os números ainda
são pequenos. Em 2016 foram 132 unidades. No ano seguinte, 137. Em 2018, um
total de 176.
A Tesla comercializa apenas veículos 100% elétricos
– um compromisso assumido por Elon Musk desde o início da história da empresa,
em 2003. Se fabricasse carros híbridos, que aliam o uso de eletricidade a um
motor a combustão, a empresa poderia ter um potencial de mercado maior, mas
ainda pouco relevante. Em 2018, foram vendidos no País cerca de 11 mil
automóveis com essa característica, de acordo com dados do Sindicato Nacional
da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças).
E o panorama não é bom para o futuro: segundo
projeções feitas por Cardamone, da Bright, o mercado de carros elétricos e
híbridos no Brasil em 2030 poderá chegar a no máximo 100 mil veículos
comercializados por ano.
O volume atual de importações de veículos da Tesla
também não justificaria o interesse da marca pelo Brasil. Inaugurada em 2016 em
São Paulo, a revenda Elektra – única no País a oferecer modelos importados da
companhia de Elon Musk – só comercializou até agora 14 unidades da marca.
Quem quiser comprar um veículo da empresa por aqui
– como o Model 3, Model S e Model X – terá de desembolsar entre R$ 450 mil a R$
1,2 milhão. É algo até para os padrões do mercado nacional: o tíquete médio de
um carro no Brasil em 2019 foi de R$ 80 mil; já o de um carro elétrico ficou em
mais de R$ 300 mil.
Segundo Monique Angeli, diretora-geral da Elektra,
a maioria das vendas é por encomenda, pois os clientes gostam de personalizar o
veículo. A revenda não é representante oficial da Tesla no País, mas Monique
afirma que há parceria com a fábrica americana para assistência e atendimento
aos compradores.
Também há importações privadas do modelo, mas, de
acordo com dados da Elektra, há menos de 25 unidades da Tesla rodando pelo
País. Na visão de Monique, é possível que a marca queira ter uma distribuidora
oficial no Brasil nos próximos cinco anos. “Mas não acredito que haverá uma
fábrica, pois o Tesla é um produto de alto luxo e o volume de vendas não
compensaria a produção local.”
Na visão de Ricardo Barcellar, líder para o setor
automotivo da consultoria KPMG, haveria baixa demanda pela marca no Brasil
justamente por conta dos altos preços. “A receita média do brasileiro é muito
baixa, então talvez a Tesla tivesse que se adaptar por aqui, criando modelos
mais baratos e talvez apostando em híbridos”, afirma.
Fazer adaptações é algo que parece não estar nos
planos da empresa por agora – o veículo mais recente apresentado por Musk é o
utilitário esportivo Cybertruck, que custa a partir de US$ 40 mil nos EUA. O
valor é o mesmo praticado no outro modelo mais barato da empresa, o Model 3.
Outra aposta da empresa é o Model Y, que começará a ser fabricado ainda neste
ano e deve ter preços entre US$ 48 mil e US$ 61 mil.
Momento da Tesla
Além disso, a Tesla também passa por um ponto de
inflexão em sua história. Apesar de ter demonstrado lucro de forma consistente
em dois trimestres seguidos – os últimos resultados financeiros
foram divulgados em janeiro –, a companhia tem histórico complicado:
enfrentou desde problemas com linha de produção
a falta de capital. A euforia com os resultados é recente.
Até aqui, os investimentos internacionais em
fábricas foram na China e na Europa, que têm mercados potenciais muito maiores
do que o brasileiro ou o latino. Em janeiro, a companhia inaugurou sua planta
em Xangai, China, que tem capacidade para produzir até 500 mil veículos por
ano. O próximo passo é uma fábrica em Berlim, Alemanha, que foi anunciada em
novembro de 2019 e atualmente está em construção.
Na China, a empresa recebeu incentivos de pelo
menos US$ 1,4 bilhão, com auxílio de bancos locais. O tamanho de uma possível
fábrica brasileira ainda não está em discussão, mas é improvável que a empresa
consiga receber esse volume de incentivos no País – uma política dessas poderia
desagradar as marcas que já atuam no mercado brasileiro e têm em seu portfólio
global veículos 100% elétricos, como a GM. “O custo de uma fábrica aqui é muito
alto, por mais que a Tesla conseguisse uma otimização. Só o investimento na
planta seria bastante robusto”, diz Bacellar.
Além disso, ainda há poucos incentivos para a
aquisição de carros elétricos no País – há apenas a isenção de 35% do Imposto
de Importação (II) e a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
– que era de 25% e hoje, dependendo do peso do carro, pode ficar entre 7% e 9%.
Em alguns municípios, como São Paulo, há ainda isenção de IPVA e de rodízio. É
pouco perto do que existe nos EUA, onde há políticas de reembolso governamental
para quem adquirir um veículo elétrico.