O que pensam os que não acreditam que o homem chegou (12 vezes) à Lua
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NASA Há 50 anos, o astronauta Neil Armstrong (1930-2012) disse ter dado um
'pequeno passo para o homem, grande passo para a humanidade'
Cinquenta anos depois de o astronauta Neil
Armstrong (1930-2012) ter dado aquele "pequeno passo para o homem, grande
passo para a humanidade", ainda há muita gente que não acredita que um ser
humano - para ser mais exato, 12, em seis viagens diferentes da missão Apollo -
pisou na Lua.
Teorias conspiratórias de diferentes níveis de
complexidade estão a um clique do mouse. E, em tempos de fácil propagação de
fake news em redes sociais, ganham fôlego online. "Não adianta tentar
rebater uma teoria da conspiração porque outra vai aparecer logo após. Por isso
o melhor é voltar ao início e ver como aconteceu a corrida espacial", diz
à BBC News Brasil o físico e engenheiro brasileiro Ivair Gontijo, cientista da
Nasa, a agência espacial americana.
"Muitas pessoas tem dúvidas legítimas e querem
entender, mas quando procuram pelo assunto na internet, acabam achando mais
teorias da conspiração e ficando mais confusas ainda."
De tempos em tempos, diversas pesquisas de opinião
são realizadas pelo mundo para medir o quanto as pessoas acreditam no sucesso
das missões Apollo. O nível de descrença varia de 6% a 57% - este último
impressionante número é de levantamento divulgado ano passado pelo VTsIOM, o
instituto nacional de pesquisas de opinião da Rússia, e deve refletir sobretudo
os esforços de contrapropaganda da Guerra Fria, quando a então União Soviética
era rival dos Estados Unidos na chamada corrida espacial.
Levantamento semelhante realizado pelo instituto
Gallup nos Estados Unidos apontou que 6% dos americanos não acreditam que o
homem tenha pisado na Lua. Mas outras sondagens chegam a apontar que esse
número pode ser bem maior: na casa dos 20%.
De acordo com pesquisa recente realizada pela
empresa YouGov, um em cada seis britânicos acredita que a conquista da Lua foi
encenada. E, entre os jovens de até 35 anos, "informados"
intensamente por canais de YouTube e fóruns de internet, esse número é ainda
maior: 21%.
Vamos aos fatos, portanto. Não tem conspiração. Até
hoje, 12 pessoas pisaram na Lua. Todos homens, todos norte-americanos. Na
ordem: Neil Armstrong e Buzz Aldrin (Apollo 11, por 2h31, em 21 de julho de
1969); Pete Conrad e Alan Bean (Apollo 12, por 7h45, em 19 de novembro de
1969); Alan Shepard e Edgard Mitchell (Apollo 14, por 9h21, nos dias 5 e 6 de
fevereiro de 1971); David Scott e James Irwin (Apollo 15, entre 31 e 2 de
agosto de 1971, sendo que o primeiro caminhou em solo lunar por um total de
19h03 e o segundo, por 18h33); John Young e Charles Duke (Apollo 16, por 20h14,
entre 21 e 23 de abril de 1972); e Eugene Cernan e Harrison Schmitt (Apollo 17,
por 22h02, de 11 a 14 de dezembro de 1972).
Contra os fatos
Os argumentos são os mais variados possíveis. Em
fóruns de internet há desde gente defendendo que seria impossível pisar na Lua
porque ela se trata de "uma bola de luz" até outros tentando provar
por A mais B que até seria possível levar o homem até lá - o problema, segundo
eles, seria fazer o caminho de volta para a Terra.
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NASA O americano Buzz Aldrin foi um dos austronautas caminhou sobre a Lua
Dono de um famoso podcast, o comediante americano
Joe Rogan está entre os disseminadores de teorias da conspiração. Seu argumento
mais convincente, conforme já afirmou, parece ser o mero prazer que tem em
duvidar das coisas. "Eu tenho uma relação de amor e ódio com teorias da
conspiração", disse ele, em uma de suas apresentações.
No YouTube, uma potente voz dos conspiradores é o
canal de outro comediante americano, Shane Dawson. Seu vídeo defendendo que o
homem nunca pisou na Lua tem 6min22s e mais de 7 milhões de visualizações.
Mesmo repaginados, os
conspiracionistas atuais bebem na mesma velha fonte. Os mais antigos registros
de teorias da conspiração sobre a chegada do homem à Lua estão no livro We
Never Went to the Moon: America's Thirty Billion Dollar Swindle (em
tradução livre para o português, 'Nós Nunca Fomos à Lua: A Fraude Americana de
30 Bilhões de Dólares'), escrito pelo ex-oficial da Marinha americana Bill
Kaysing (1922-2005).
Com a experiência de ter trabalhado na fábrica de
foguetes Rocketdyne entre 1956 e 1963, Kaysing começou a defender que as
alunissagens do projeto Apollo haviam sido forjadas pelo governo americano. No
livro, ele afirma que as chances de um pouso bem-sucedido no satélite terrestre
eram de parcos 0,0017% e, no auge da Guerra Fria, era mais fácil para os
Estados Unidos falsificar um resultado do tipo do que ir efetivamente para a
Lua.
Segundo Gontijo, uma tremenda bobagem. "Os
russos, maiores competidores dos americanos, nunca denunciaram as viagens à lua
como farsa", argumenta ele. "Eles sabiam muito bem o estado da
tecnologia da época porque estavam tentando fazer o mesmo. E seus cientistas e
engenheiro jamais levantaram dúvidas sobre o sucesso dos americanos."
Mas os conspiracionistas ganhariam novo fôlego no
início dos anos 1980, com a entrada, no debate, da Sociedade da Terra Plana. Os
terraplanistas, que argumentam que a Terra e a Lua são planas, a Nasa criou uma
falsificação com ajuda do cinema. A Nasa teria, sob o patrocínio dos estúdios
Walt Disney, contratado o diretor Stanley Kubrick (1928-1999) para forjar as
cenas dos astronautas em solo lunar.
"Se fosse para somente encenar, por que fazer
isso tantas vezes? Por que não fazer uma vez só?", rebate o brasileiro
Gontijo.
Um outro argumento que faz inferir a
impossibilidade de fraudar um projeto como o Apollo é o número de pessoas que
precisariam ter sido cooptadas para guardar tamanho segredo. Ao longo de dez
anos, 400 mil pessoas trabalharam para colocar o homem na Lua. Conforme já
afirmou diversas vezes o cientista americano James Longuski, ex-projetista da
Nasa e atual professor da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, seria mais
fácil mandar de verdade seres humanos para a Lua do que combinar com tanta
gente assim.
No livro A Caminho de Marte: A
Incrível Jornada de Um Cientista Brasileiro Até a Nasa, Ivair Gontijo conta
que não são raras as vezes em que ele é interpelado por alguém que diz não
acreditar nas viagens do homem à Lua. "Até hoje muita gente me faz essa
pergunta, se o homem foi mesmo à Lua ou não. É interessante notar que não é só
no Brasil que tem gente que não acredita. Na Escócia e mesmo nos Estados Unidos
também há pessoas que não acreditam. Acho que esse é um fenômeno mundial",
escreve ele, em um capítulo dedicado ao tema.
Em conversa com a reportagem, ele enfatizou que a
melhor maneira de combater essa desinformação é, incansavelmente, insistindo em
"informar a população". "Em geral, informações genuínas e
independentes sobre o programa espacial não são muito acessíveis no Brasil por
causa da barreira da língua", afirma. "Até nos Estados Unidos, muita
gente não sabe onde procurar e acaba descobrindo muitas teorias da conspiração
sobre o assunto. Assim, em vez de diminuírem, as dúvidas às vezes aumentam. Há
muita desinformação sobre esse tema nos meios de comunicação, em especial na
internet."
Argumentos
"Muitas pessoas pensam que o grande feito dos
americanos seria algo inatingível com a tecnologia da época", argumenta
Gontijo, em seu livro. "Por isso elas têm dificuldades em acreditar que
isso possa mesmo ter acontecido. Também é verdade que as pessoas podem mudar de
opinião se os argumentos forem mesmo convincentes, mas sabemos também que
ninguém convence ninguém. É preciso que cada um entenda primeiro os fatos e
então tire as próprias conclusões."
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NASA O veículo lunar foi usado em cada uma das últimas três missões Apollo
Para o brasileiro, a melhor maneira de enfrentar
essa desinformação é começar tentando entender em qual parte da conquista
espacial o interlocutor não acredita.
O primeiro ponto: a descrença é só do lado
americano ou também significa rebater que soviéticos lançaram foguetes? Pois se
o ceticismo é geral, vale lembrar a história do satélite Sputnik, colocado em
órbita em outubro de 1957. Em um "golpe de mestre", expressão cravada
por Gontijo, os cientistas russos o lançaram equipado com um transmissor e quatro
antenas, conjunto esse capaz de emitir um pequeno sinal de bipe nas frequências
de 20 e 40 MHz.
A ideia era que a façanha pudesse ser comprovada de
forma independente. "Quando ele passava sobre uma parte da Terra,
radioamadores que estavam lá embaixo podiam sintonizar seus rádios em uma das
frequências do Sputnik e captar o sinalzinho: o pequeno bipe que significava
muito e que durou 22 dias, até que suas baterias se descarregaram", pontua
o brasileiro.
O passo seguinte seria acreditar ou não que um ser
humano orbitou o planeta. No caso, o cosmonauta soviético Iuri Gagarin
(1934-1968), que viu a Terra azul a bordo da Vostok em 12 de abril de 1961. Em
108 minutos, ele deu uma volta completa. "Imagino que a vasta maioria das
pessoas concorde que esses fatos são verídicos e que tanto Gagarin quanto seus
colegas cosmonautas realmente foram ao espaço e entraram em órbita em torno da
Terra", afirma. "Em pouquíssimo tempo, os foguetes foram aprimorados,
alcançando órbitas circulares e de maior latitude, de forma que os cosmonautas
que vieram depois de Gagarin puderam dar muitas voltas em torno do planeta
Terra."
Nos Estados Unidos, os cientistas da Nasa estavam
um pouco atrás dos russos na corrida espacial. No dia 5 de maio de 1961, Alan
Shepard (1923-1998) se tornaria o primeiro americano no espaço, ainda em um voo
suborbital de 15 minutos. Em 20 de fevereiro de 1962, John Glenn (1921-2016) se
tornou o primeiro astronauta americano em órbita: três voltas ao redor da
Terra, em 4h55 de voo.
"Você acha que tanto os russos quanto os
americanos foram capazes de enganar o mundo inteiro e que nenhum desses voos
aconteceu? Seria possível convencer os milhares de engenheiros e técnicos
trabalhando nos programas espaciais tanto na União Soviética quanto nos Estados
Unidos a montar um esquema para iludir o mundo sem que ninguém denunciasse
isso?", provoca Gontijo. "Imagino que você vá concordar comigo que é
mais fácil eles terem mesmo feito esses voos do que conseguiremos manter um
segredo entre dezenas de milhares de pessoas."
O cientista brasileiro enfatiza ainda o
desenvolvimento técnico necessário para o passo seguinte, em 1963: a verdadeira
dança espacial protagonizada pelas naves Vostok 5 e Vostok 6, respectivamente
com os cosmonautas Valery Bykovsky (1934-2019) e Valentina Tereshkova (1937- )
a bordo. Elas chegaram a ficar a apenas 5 quilômetros de distância, em órbita,
e, pela primeira vez, houve uma comunicação entre duas espaçonaves, diretamente
e por rádio, sem nenhuma intermediação da Terra.
Os avanços seguiam a passos largos. Dois anos mais
tarde, o russo Alexey Leonov (1934- ) protagonizaria a primeira atividade
extraveicular da história espacial. E neste episódio, é possível citar ainda a
falibilidade humana como um argumento contra as conspirações - afinal, se as
coisas fossem inventadas, acidentes não ocorreriam, certo?
Pois no vácuo espacial, a roupa de Leonov inchou
mais do que o esperado - dentro da vestimenta, a pressão precisava ser igual à
atmosférica terrestre. Quando precisava voltar para a cápsula, um susto:
daquele jeito ele não passava mais pela entrada. Ficou entalado. No sufoco, ele
conseguiu "murchar" um pouco de sua roupa, o suficiente para voltar
para a nave.
"Não faz sentido achar que tudo isso foi uma
enganação e que nenhuma dessas façanhas foi realizada. Seria simplesmente
impossível manter um segredo assim e convencer milhares de pessoas envolvidas a
mentir", reforça Gontijo. "Além disso, os bipes do Sputnik foram
capitados por radioamadores no mundo inteiro, provando que aquilo era real. Existem
também muitas filmagens de foguetes decolando e alguns explodindo. Se você pode
se convencer de que tudo isso aconteceu mesmo, o resto - a descida na Lua, por
exemplo - é uma série de desdobramentos quase inevitáveis."
Preparando o terreno
lunar
Em seu livro, o cientista brasileiro cita o sucesso
técnico do projeto Gemini, com dez missões realizadas entre 1964 e 1966, como o
grande salto tecnológico norte-americano que propiciou mandar as Apollos para a
Lua. E todos os esforços científicos e de engenheira envolvidos não poderiam
ser simplesmente uma obra de ficção. Foi quando os Estados Unidos passaram à
frente da União Soviética na corrida espacial.
Nas missões, foram bem-sucedidos os procedimentos
de aproximação e acoplamento entre duas espaçonaves, assim como um aumento de
permanência dos astronautas no espaço - condições necessárias para a futura
missão lunar. "A partir daí eles já seriam capazes de fazer um veículo
sair da superfície da Lua levando os astronautas e acoplá-los a outro veículo
em órbita lunar", descreve. "Dá para ver que a ida à Lua não foi
feita de uma vez só, sem qualquer preparação."
Mas se todas as simulações iam relativamente bem,
há outro argumento a ser derrubado: essas missões ocorriam em órbita da Terra.
E ir até a Lua necessitaria romper o voo orbital. Mas a ciência explica que
esse não era um problema. "Se um objeto está em uma órbita circular em
torno de um planeta ou Lua ou qualquer outro corpo celeste, é preciso muito
pouco para escapar do 'abraço gravitacional'", explica Gontijo. "Se a
velocidade do objeto for aumentada em 41%, ele escapa. Isso é consequência das
leis da física e já era um fato bem conhecido durante a corrida espacial. Então
não era tão difícil assim fazer foguetes potentes o suficiente para escapar da
órbita terrestre."
Outro problema era fazer os cálculos para
"acertar" o satélite natural terrestre, considerando os movimentos do
planeta, da Lua e, claro, a velocidade do foguete. Missões não tripuladas
anteriormente não haviam conseguido, mas como ressalta o brasileiro, mais uma
vez erros iniciais comprovam a veracidade dos acertos. No caso dos americanos,
o laboratório incumbido de realizar os cálculos precisou de sete tentativas em
três anos - do programa Ranger - para finalmente atingir o alvo desejado de
maneira satisfatória, em 31 de julho de 1964, com a sonda que tirou as
primeiras fotos da Lua antes de cair no satélite natural da Terra.
Toda essa história de erros e acertos são
argumentos, na visão do cientista brasileiro, para defender de modo sincero e
paciente as acusações de fraude da corrida espacial. Até porque, se fosse para
fingir, seria melhor reduzir ao máximo as alegadas missões, até para diminuir o
número de pessoas envolvidas na suposta farsa.
Evidências
comprovadas em outras missões
Há ainda o fato de que missões espaciais
encontraram resquícios de missões anteriores - e os registraram. Quatro meses
depois da Apollo 11, a Apollo 12 alunissou a 50 metros de distância da Surveyor
3, sonda não-tripulada lançada em 1967. Os astronautas recolheram a câmera e a
pá de coleta de solo do equipamento desativado e as trouxeram de volta para a
Terra - estão expostas no Museu Aeroespacial de Washington.
Outro exemplo é o ponto em que a Apollo 17 desceu,
em 1972. Em 2008, a sonda japonesa Kaguya fotografou marcas dessa missão
americana, a última pisada humana na Lua.