Trump faz do 4 de julho sua festa patriótica, e promete colocar “em
breve” a bandeira dos EUA em Marte
Amanda Mars
© A. Harnik (AP) O presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump.
Donald Trump
transformou seu discurso do 4 de Julho – o primeiro em várias décadas de um
presidente norte-americano no Dia da Independência – em uma festa de exaltação
patriótica, na qual elogiou todo tipo de façanhas e heróis made in USA:
da invenção da lâmpada ao jazz, da derrota do nazismo
à chegada à Lua. Sobre este tema, voltou a prometer: “Logo mais iremos de novo
à Lua, e também vamos pôr em breve a bandeira em Marte”.
No monumento a Abraham Lincoln em Washington, e perante uma multidão considerável,
apesar da chuva que havia caído pela tarde, Trump pregou a unidade do país,
atualmente mergulhado numa forte polarização política. A fissura era evidente
na própria celebração: de um lado da esplanada, o republicano com seus
seguidores; no outro, a manifestação contra ele.
Além de ser o Dia da Independência, o 4 de julho é
um dos poucos feriados de um país onde eles são escassos. Tradicionalmente, os
norte-americanos vão assistir aos desfiles civis pela manhã e depois fazem
churrasco até a hora dos fogos, à noite. "Feliz 4 de julho!", se diz
a estranhos e conhecidos, como se fosse Natal – afinal é o aniversário da nação
–, e as bandeiras das listras e estrelas podem ser vistas por todo lado. É uma
jornada patriótica, mas não política, e a mudança introduzida por Trump
despertou muitas críticas, não só por seu protagonismo, mas também pela incomum
mobilização de veículos e aviões militares.
Houve exibição de tanques e outros
veículos armados, aviões militares sulcando o céu e música militar. Também
alguma falha de planejamento: o presidente pronunciou seu discurso por trás de
um biombo de vidro que, com a chuva, ficou completamente manchado de gotas, de
modo que sua imagem ao vivo apareceu borrada na TV, algo anticlimático para o
peso de suas palavras. “Para os norte-americanos nada é impossível”, bradou,
depois de homenagear a criação da Cruz Vermelha, o voto das mulheres e a realização do Super
Bowl. “Enquanto nos mantivermos leais à nossa causa e recordarmos nossa grande
história, e enquanto não deixarmos de lutar por um futuro melhor, não haverá
nada que a América não possa fazer”, disse. “Nunca se esqueçam de que somos
norte-americanos e o futuro nos pertence”, arrematou.
Trump afinal não fugiu do roteiro de
um discurso planejado em chave patriótica, embora o ambiente tivesse algo de
comício: as longas filas para entrar, os bonés vermelhos com o lema trumpista
“Make America Great Again” (“torne a América grande outra vez”) e, claro, a
manifestação contra, desta vez organizada pelos ativistas do Code Pink, com um
desses balões gigantes com forma de um Trump bebê que ficaram tão famosos
recentemente pelas mãos dos manifestantes de Londres.
Os democratas tinham criticado previamente a participação de Trump no evento,
independentemente do conteúdo, por causa da data e do lugar, o monumento a
Lincoln, um templo sagrado da história norte-americana, que homenageia o
presidente que acabou com a escravidão e de onde Martin Luther
King pronunciou sua famosa frase “Eu tenho um sonho”.
O mandatário tinha em mente um grande
desfile militar desde que assistiu ao do dia da Queda da Bastilha, em Paris, em
14 de julho de 2017, convidado pelo presidente Emmanuel Macron.
Ele ficou encantado e retornou disposto a importar a ideia. Inicialmente pensou
em uma grande marcha das Forças Armadas em Washington no Dia dos Veteranos do
ano seguinte, em 11 de novembro de 2018, mas teve que recuar por causa do custo
– cerca de 92 milhões de dólares, quase tudo a cargo do Departamento de Defesa
–, embora Trump tenha culpado a Prefeitura, democrata. Nos Estados Unidos
não há tradição de desfiles militares; o último foi em 1991, para comemorar o
final da Guerra do Golfo, e o próprio Pentágono não entendeu aquele gasto.
Finalmente, o republicano se conformou com uma
pequena mobilização de tanques M-1 Abrams e veículos armados Bradley trazidos
da Geórgia, além do sobrevoo de caças de combate e música militar no Mall.
Trump foi enumerando e elogiando cada um dos cinco ramos das Forças Armadas,
depois do que a orquestra tocava seu hino e aviões de combate sobrevoavam o
lugar. Ao todo, o ato durou quase uma hora. Logo depois, teve início o
tradicional show de música com fogos.
Desde Harry Truman, em 1951, nenhum
mandatário se dirigia às massas no Mall no Dia da Independência. O The
Washington Post recordava nesta semana uma das últimas vezes em que um
presidente quis proferir um discurso de 4 de Julho: foi Richard Nixon – não ao
vivo, e sim através de uma gravação – em plena reação à guerra do Vietnã.
Acabou em distúrbios.
Vários parlamentares democratas questionaram o
Departamento de Interior a respeito dos custos da celebração. “O povo
norte-americano tem o direito de saber quanto do seu dinheiro será gasto para
transformar o 4 de Julho, na prática, em um ato de campanha eleitoral”,
disseram em nota o senador Tom Udall, do Novo México, e quatro deputados democratas.
“Todas as informações indicam que o presidente está planejando transformar um
dia de unidade em um dia de vaidade e tenta usar o Exército com propósitos
políticos”, acrescentam.
O presidente não entrou na refrega
partidária durante seu discurso, embora o ato tenha sido por si só um banho de
massas e poder. Ele próprio o havia revelado em 24 de fevereiro como se
estivesse anunciando uma nova temporada de The Apprentice, o reality
show que ele apresentava: “Marquem na agenda! Em 4 de julho teremos uma das
maiores concentrações da história de Washington DC. Será chamada de Uma
Saudação à América e terá lugar no Monumento a Lincoln. Grandes fogos,
exibições, entretenimento e um discurso de seu presidente favorito, eu”,
escreveu no Twitter.