Seis temas indigestos para o jantar de Trump com a rainha
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PA Trump cumprimenta a rainha Elizabeth 2ª ao chegar ao Reino Unido; países têm
a chamada 'relação especial', mas temas recentes podem gerar choque na política
bilateral
O presidente americano Donald Trump inicia nesta
segunda-feira uma visita de três dias ao Reino Unido em meio à comemoração dos
75 anos do chamado Dia D, em 6 de junho de 1944, quando tropas aliadas lançaram
na França, pelas praias da região da Normandia, uma vitoriosa ofensiva que
ajudou a virar o jogo contra a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
A comemoração da aliança militar simboliza um dos
principais pilares da chamada "relação especial" entre britânicos e
americanos e é um dos poucos temas fora de polêmicas na pauta entre os dois
países.
No Reino Unido, a viagem de Trump - que faz sua
primeira visita de Estado ao Reino Unido - e sua família tem o primeiro dia
marcado por um banquete oferecido pela rainha Elizabeth 2ª, de 93 anos, no
Palácio de Buckingham.
Segundo observadores, a oportunidade de ser
recebido pela realeza britânica tende a colaborar com a popularidade de Trump
de olho na reeleição em 2020. No pomposo jantar, há regras como a de não
continuar comendo após a monarca terminar sua refeição, mas as reais polêmicas
com risco de causar "indigestão" estão em outras sete áreas:
1. Megan Markle
A esposa do príncipe Harry foi alvo de um
comentário gravado em que Trump se refere à então atriz como
"desagradável" (nasty). Na entrevista ao jornal The Sun, ele comenta
declarações de Markle, que durante as eleições de 2016 sugeriu que poderia se
mudar para o Canadá se Trump vencesse e chamou o então candidato de
"misógino e divisivo".
Segundo o tabloide britânico, Trump respondeu:
"Não sabia disso (das declarações). O que posso dizer? Não sabia que ela
era desagradável". Trump acrescentou ter certeza de que ela desempenharia
muito bem seu papel na realeza. Mas, pelo Twitter, no domingo, Trump negou ter
falado sobre Markle.
Markle deu à luz o primeiro-filho do casal, Archie,
há quatro semanas e não participará de nenhum dos compromissos.
2. Aquecimento global
O príncipe Charles é um fervoroso defensor de
medidas para conter a ação humana no aquecimento global. Trump, no entanto, faz
coro com uma parcela mínima e menos crível da comunidade científica que nega
haver provas de que o aquecimento global seja resultado da ação humana. Receita
certa para climão será trazer à tona o assunto.
Na reta final de seu mandato como primeira-ministra
(ela anunciou que deixará o cargo nesta sexta, 7 de junho), a britânica Teresa
May vai desafiar Trump nesse tema, segundo a sede do governo britânico
confirmou à BBC News. May recebeu recentemente um abaixo-assinado de 250
cientistas britânicos pedindo que pressione Trump a revisar suas decisões
recentes, como abandonar o Acordo de Paris, que prevê que os países signatários
contenham suas emissões de gases de efeito estufa e ajam para combater as
mudanças climáticas.
Um porta-voz de May afirmou que, "tal como
disse a premiê previamente, estamos desapontados pela decisão dos EUA de se
retirar do Acordo de Paris em 2017 e continuamos a esperar que eles retornem
(ao pacto)".
3. Interferência
indevida?
Trump chega às vésperas da saída de Teresa May do
cargo de premiê. Ele vai embora do Reino Unido no dia 6; ela deixa o cargo no
dia seguinte. No passado, ele já criticou a primeira-ministra por seu fracasso
em avançar com o Brexit (processo de saída do Reino Unido da União Europeia).
Agora, em entrevista ao jornal Sunday Times, Trump disse que, se não conseguir
negociar seu acordo com a UE, o Reino Unido deveria abandonar as negociações e
não pagar a chamada "conta do divórcio" de 39 bilhões de libras
(equivalente a quase R$ 200 bilhões).
O comentário, bem como o endosso anterior de Trump
a Boris Johnson, ex-chanceler que liderou a campanha pelo Brexit (e que hoje é
cotado entre os possíveis substitutos de May), em meio a ataques de várias
partes contra a atual premiê, foi visto por muitos como uma interferência indevida
na política britânica.
Desta vez, no entanto, May será uma anfitriã
enfraquecida. Ao mesmo tempo, o fato de estar na fase final de mandato faz com
que muitos esperem que ela solte a língua de uma maneira que não faria como
mandatária de olho no longo prazo.
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Getty Images Donald Trump e a rainha Elizabeth Segunda ouvem o hino americano,
parte da cerimônia de recepção no Palácio de Buckingham
4. NHS
Em entrevista à BBC, o embaixador americano no
Reino Unido, Woody Johnson, disse que nenhum tema, incluindo o serviço público
de saúde britânico, o NHS, deveria estar fora de negociações de um acordo
comercial bilateral entre os dois países num cenário após o Brexit.
O comentário causou forte polêmica no país onde a
preservação do NHS como um serviço público tende a ser consenso entre a maior
parte dos políticos, sejam conservadores ou trabalhistas. A resposta foi vista
como uma sinalização de que haveria pressão da indústria da saúde americana
para conseguir uma abertura para seus negócios em troca de um acordo maior.
Trump já criticou o NHS no passado, dizendo que o sistema é
"quebrado" e "não funciona".
5. Política externa
Há diferenças expressivas na posição dos Estados
Unidos e do Reino Unido em relação a importantes temas como o Irã e a China.
Enquanto o Reino Unido ainda apoia os acordos
diplomáticos prévios (abandonados por Trump) para conter o programa nuclear
iraniano, os EUA têm pregado uma postura mais agressiva. O país recentemente
despachou ao Oriente Médio um porta-aviões e uma frota de bombardeiros B52,
algo que diplomatas britânicos veem como um possível gatilho para escalonamento
das tensões - e até mesmo de um conflito armado.
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AFP Donald Trump e Theresa May, em encontro no ano passado; ela deve mencionar
aquecimento global na conversa deste ano
Em relação à China, o governo Trump defende que
países europeus sigam a liderança americana na disputa, por exemplo, com a
Huawei, impedindo que a empresa de tecnologia chinesa participe da construção
da rede 5G britânica. Os EUA já manifestaram repúdio à proposta - ainda não
sancionada - de ministros britânicos de permitir que as telecoms chinesas
participem dessa construção.
Autoridades americanas afirmaram que Trump não
apenas abordará o assunto durante sua visita de Estado, como pode até mesmo
ameaçar restringir o compartilhamento de informações de inteligência com o
Reino Unido.
O declarado temor americano é que a rede seja usada
como vetor de espionagem e controle pelo governo chinês, e que o acesso a
segredos de inteligência britânicos leve os chineses a conseguir informações da
inteligência americana.
Embora muitos concordem que o temor é justificável,
ele não explicaria plenamente a ofensiva mais ampla contra a segunda maior
fabricante de smartphones do mundo - lembrando que Trump recentemente colocou a
Huawei na lista de empresas com as quais companhias americanas não podem
negociar, a não ser que tenham uma licença especial.
Um objetivo de Trump menos alardeado seria proteger
empresas americanas de tecnologia da concorrência chinesa.
6. Protestos e briga
com o prefeito de Londres
A visita será marcada por protestos não apenas nas
ruas como também de algumas figuras importantes da política britânica, como o
prefeito de Londres Sadiq Khan. Em um artigo no jornal dominical Observer, Khan
escreveu: "Donald Trump é apenas um dos mais notórios exemplos de uma
crescente ameaça global. A extrema direita está crescendo ao redor do mundo,
ameaçando nossos direitos, liberdades e valores conquistados a duras penas e
que definiram nossas sociedades liberais e democráticas por mais de 70
anos".
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EPA / Reuters Donald Trump e Sadiq Khan, prefeito de Londres, têm trocado
insultos
Ele acrescentou que líderes como Trump têm usado as
mesmas formas de expressão divisivas usadas pelos fascistas do século 20 e
argumentou que o Reino Unido não deveria "estender um tapete
vermelho" ao presidente americano.
No Twitter, Trump respondeu chamando Sadiq Khan de
"perdedor inerte" (stone cold loser) e dizendo que ele deveria
"estar mais preocupado com a criminalidade em Londres" do que com ele
(Trump).
Um porta-voz de Khan afirmou que um presidente dos
EUA deveria estar acima de "insultos infantis" e que o prefeito
"representa os valores progressistas de Londres e de nosso país".
Nas ruas, os protestos deverão levar aos ares o
balão inflável com Trump retratado como um bebê chorão.
A visita e também os protestos dividem opiniões no
Reino Unido. O apresentador britânico Piers Morgan, por exemplo, classificou os
protestos de "desrespeitosos e patéticos" principalmente por
coincidirem com as comemorações do Dia D, símbolo da aliança militar entre os
dois países.
Já o líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn
afirmou que os protestos "são uma oportunidade para demonstrar
solidariedade com quem (Trump) atacou nos EUA, ao redor do mundo e até mesmo em
nosso país (o Reino Unido), incluindo Sadiq Khan".