Ministério
Público suspeita que Vale tenha usado laudos forjados para barragem
Raul Mariano –
Jornal Hoje em Dia
Os oito funcionários da Vale, presos nessa sexta-feira em Belo
Horizonte, foram citados em depoimentos dos engenheiros detidos em 29 de
janeiro
Um suposto esquema
de fraude no monitoramento da barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho, na
Grande BH, é investigado pelo Ministério Público mineiro. A suspeita é a de que
funcionários da Tuv Sud – empresa alemã responsável pelas vistorias técnicas –
tenham sido pressionados pela Vale a assinarem os laudos atestando condições
favoráveis do reservatório. Nessa sexta-feira, oito pessoas ligadas à Vale
foram presas temporariamente.
Por meio da análise
de e-mails trocados entre agentes da mineradora e da empresa de auditoria, os
investigadores levantaram a hipótese de que haveria um “esquema patrocinado
pela Vale, no sentido de maquiar dados técnicos, externalizando, falsamente, a
situação de normalidade (…) possibilitando que a situação de risco da barragem
fosse perpetuada”.
Segundo as
mensagens, revela a decisão judicial que embasou o pedido de prisão,
funcionários da Tuv Sud já haviam constatado anormalidades na barragem I, em
Brumadinho, desde 2018. Eles também teriam expressado claramente que se sentiam
forçados a emitir os laudos favoráveis à mineradora sob o risco de perderem o
contrato firmado.
Em maio do ano passado,
um dos engenheiros da terceirizada chegou a afirmar aos colegas de empresa, por
e-mail, sobre a impossibilidade de assinarem a Declaração de Condição de
Estabilidade da Barragem na Mina do Feijão. Na mesma mensagem, pontuou: “como
sempre a Vale irá nos jogar contra a parede e perguntar: e se não passar, irão
assinar ou não?”.
Na conclusão do
documento, o juiz Rodrigo Heleno Chaves, da 2ª Vara da Comarca de Brumadinho,
afirma que em janeiro deste ano, dias antes do desastre, uma “alteração
drástica” nos piezômetros – dispositivos usados para medir a pressão das
barragens – indicava que “não havia outra alternativa aos funcionários da Vale”
senão a de acionar a imediata evacuação da área.
O magistrado também
afirma que os oito funcionários da mineradora, mesmo não desejando diretamente
que a tragédia acontecesse, assumiram o risco real de que ela ocorresse, “pois
já haviam previsto e aceitado as consequências”.
Os seis homens
presos temporariamente seriam levados para a Penitenciária Nelson Hungria, em
Contagem, na Grande BH. As mulheres seguiriam para o Complexo Estevão Pinto, no
bairro Horto, na capital mineira
Prisões
Entre os
funcionários da Vale presos estão o gerente-executivo de geotecnia da companhia
e a equipe responsável por acionar o plano de emergência.
O advogado Lucas
Laire, mestre em direito penal e professor da PUC Minas, explica que, apesar
dos indícios de que os funcionários tinham conhecimento dos problemas na
barragem, há poucas chances de que sejam condenados por homicídio qualificado,
tese defendida pela promotoria.
“A jurisprudência no
Brasil ainda é bem resistente à hipótese de dolo eventual (quando a pessoa não
tem a intenção, mas assume o risco de matar)”, explica. “Mas caso haja o
entendimento de que houve homicídio qualificado, a pena vai de 12 a 30 anos,
podendo aumentar de acordo com o número de mortes”, acrescenta.
Laire destaca,
ainda, que em casos como o do rompimento da barragem em Brumadinho, é normal
que muitas pessoas sejam presas no primeiro momento. “Mas quando se inicia a
defesa técnica, (a acusação) não se sustenta. São condutas claramente culposas
(sem intenção), o problema é que as penas são pequenas”, conclui o professor.
Ouro Preto
As conversas
interceptadas pelo Ministério Público revelam ainda que a barragem de Forquilha
III, também da Vale, localizada em Ouro Preto, na região Central do Estado,
teria problemas e mesmo assim receberia o aval da empresa responsável com base
nas “promessas de intervenções de melhoria”.
A VOGBR, mencionada
no documento como a companhia a cargo da vistoria da estrutura, informou por
nota, nessa sexta-feira, que “não realizou inspeção de segurança com emissão de
Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) da referida barragem” e que já
prestou esclarecimentos a Polícia Federal” sobre o caso.
A Vale declarou,
também em nota, contar com laudos técnicos, preparados por auditoria
independente, atestando a segurança e estabilidade de Forquilha III. A empresa
ainda informou que, no caso de Brumadinho, os responsáveis pelo monitoramento
tinham autonomia para agir caso fosse constatada a necessidade de evacuação da
área.
“Considerando a
qualificação, nível de especialização e autonomia do corpo técnico local e para
assegurar a agilidade de resposta, nem a Diretoria Executiva, nem o Conselho de
Administração precisam ser envolvidos em decisões relativas a situações
emergenciais”, afirmou a companhia.
O Hoje em Dia
localizou os advogados de parte dos envolvidos, mas os defensores afirmaram que
qualquer manifestação sobre os funcionários da mineradora “estaria centrada na
Comunicação da Vale”.
A Tuv Sud não
comentou a investigação criminal. Sobre o rompimento da barragem, declarou que
contribui com as apurações.
A Secretaria de
Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e a Agência
Nacional de Mineração (ANM) foram questionadas sobre novas medidas para
fiscalização das mineradoras, mas não se posicionaram.
(Colaboraram Bruno
Inácio e Mariana Durães)