A 'Conversa
íntima' de Michelle Obama com 20 mil pessoas
Estadão Conteúdo

Não fossem os
sapatos de salto fino calçados nos pés do início ao fim da noite, o evento de
divulgação do livro de memórias de Michelle Obama em Washington pareceria um
encontro de amigas na sala de estar. Neste sábado (17), a ex-primeira dama fez
na capital dos Estados Unidos, onde vive com o marido e as duas filhas, a
terceira parada da turnê de lançamento do seu livro "Minha História".
E, com a performance em casa, ficou mais fácil contar com uma surpresa - se não
para Michelle, ao menos para o público: a entrada de Barack Obama, nos últimos
dez minutos do show.
Com um buquê de rosas nas mãos para a esposa, Obama foi ovacionado pela
plateia, ouviu gritos de "sentimos sua falta" e sentou no braço da
poltrona de Michelle para uma breve participação. "Isso é como...Sabe
quando o Jay-Z aparece no show da Beyoncé?", disse o ex-presidente, se
comparando com o rapper americano casado com a estrela pop. "Eu sabia que
ela me desafiaria", disse Obama, perto das 22h30, ao descrever como se
apaixonou por Michelle, depois de falar que a esposa é
"extraordinariamente inteligente" e bonita.
Durante uma hora e meia, Michelle Obama conversou com Valerie Jarret,
ex-conselheira da Casa Branca e próxima da ex-primeira dama há quase 30 anos
sobre detalhes da vida íntima como terapia de casal, tratamentos de
fertilidade, o desafio de ser mãe e profissional e, claro, a vida como esposa
do presidente dos Estados Unidos.
Michelle fala direto com seu público, basicamente composto por mulheres, e
justifica o nome da turnê: "uma conversa íntima com Michelle Obama",
mesmo em uma arena com capacidade para 20 mil pessoas e ingressos esgotados.
Com humor, fala de situações cotidianas e humaniza até protocolos formais como
a cerimônia de posse presidencial e a chegada à Casa Branca: "de repente
nos mudamos para uma casa onde nunca estive".
As filas para entrar no estádio Capital One Arena, em Washington, dobraram o
quarteirão e as ruas do entorno foram fechadas. A espera do público do lado de
fora fez o evento atrasar quase uma hora para começar e mesmo minutos depois do
início, o aplicativo Stubhub, de revenda de ingressos, ainda anunciava o ticket
mais barato por US$ 171 dólares (equivalente a R$ 640).
A 1,5 quilômetro da Casa Branca, onde o casal Obama viveu por oito anos,
Michelle explorou pouco questões de política partidária. Em uma breve passagem,
mostrou insatisfação com o momento atual e relatou que às vezes "como
vocês", disse ao público, gostaria de ver Obama entrando em cena de forma
mais crítica. "E ele fala 'esse não é o ponto. Você sabe, um presidente
não age pelo seu próprio ego. Temos que ser cautelosos com o que dizer e
quando'", disse Michelle. No livro, Michelle foi mais direta em críticas
ao presidente Donald Trump: "Foi angustiante ver como o atual presidente
levou muitos americanos a duvidarem de si mesmos e a duvidarem dos outros e
temê-los. Às vezes me pergunto se em algum momento chegaremos ao fundo do
poço", escreveu a ex-primeira dama, que chamou Trump de
"misógino" no livro.
A turnê, como o livro, é política apesar de pessoal. Todo o relato de Michelle
perpassa suas experiências de vida como mulher e como negra, os desafios que
enfrentou por isso no caminho e como vê questões de política social e
econômica.
Um exemplo é o momento em que conta que ouviu de uma conselheira profissional
no ensino médio que não conseguiria entrar na Universidade de Princeton, onde
conquistou seu primeiro diploma. "Toda pessoa que conheço, sendo mulher ou
sendo um negro, tem uma história como essa", diz Michelle, que depois
emenda falando sobre preconceitos existentes com políticas afirmativas para
negros em universidades. "Há um estigma", disse. Ao se referir a
ações comuns nas universidades americanas para garantir vaga a bons atletas ou
músicos, por exemplo, a ex-primeira dama questiona: "Por que nós só temos
problemas com ação afirmativa ligadas a raça?".
Michelle Obama falou de machismo, racismo, diferenças de oportunidades e
educação pública, também da ausência de um Obama - que ela chama de
"Barack" - ocupado com a política e sua necessidade de ser mãe e
profissional ao mesmo tempo. "Eu quero que as pessoas saibam: até a Michelle
Obama, a primeira dama, passou por essas situações", diz.
No livro, ela rechaça a ideia de concorrer a um cargo, apesar de os ambulantes
no entorno do evento venderem souvenir e camisetas com a frase "Michelle
2020". A ex-primeira dama conta que insistiu para Obama não entrar para a
política. "Foi bizarro", disse, sobre ver o marido começar a se
tornar famoso. "Mas não apoiá-lo seria egoísmo."
Valerie Jarrett contou que Obama começava a ficar nervoso na Sala Oval perto
das 18h30. O combinado com Michelle durante os anos na presidência era o de que
ele jantaria em casa pontualmente com ela e as duas filhas, mesmo nos dias
tumultuados em Washington. O jantar não esperaria, acertou Michelle, dizendo
que por vezes Obama continuou a trabalhar até a madrugada, mas antes disso
fazia a pausa para ficar com as filhas. "Não queria que minhas crianças,
especialmente sendo mulheres, crescessem sentindo que a vida era sobre esperar
um homem chegar", afirmou.
Michelle Obama deve visitar ao menos dez cidades americanas diferentes, depois
de dar início aos eventos em Chicago, sua terra natal, na última Terça-feira
13. No dia de estreia, 725 mil unidades do livro foram vendidas. Reportagem do
jornal Financial Times indicou que Obama e Michelle acertaram os direitos de
publicação de uma biografia cada por mais de US$ 60 milhões - acima do que os
valores apontados como pagos por editoras pelas memórias de outros
ex-presidentes como Bill Clinton e George W. Bush. Como aconteceria num show da
Beyoncé, os entornos do evento estavam cercados por ambulantes com camisetas
com o rosto de Michelle estampado.
Dentro do estádio, a venda dos produtos oficiais ligados à turnê tinha ainda
roupas de bebê por US$ 20 e camisetas com a célebre frase da ex-primeira dama
na campanha de 2016: "Quando eles vão baixo, nós vamos alto".
Para o sucesso de um road show digno de estrela pop, Michelle lança mão de uma
estratégia que aprendeu nos passos iniciais da campanha do marido à
presidência, quando ainda era "a esposa do candidato": "Percebi
que ninguém nunca me preparou. Eu nunca tive 'media training'. Era eu e minha
história. Esse é o motivo pelo qual escrevi esse livro. O que nos conecta não é
raça, partido, religião, são conversas em torno da mesa de jantar, é a relação
com seus avós, a vida que você vive e suas memórias. Se você pode compartilhar
isso com as pessoas, isso é o que as conecta".