'Não é
possível fazer quase nada', diz especialista sobre campanha
Luciana Sampaio
Especialista em
Direito Eleitoral e professor da UFMG
Advogado
especialista em Direito Eleitoral e professor do curso de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com título de mestre pela mesma
instituição e doutor pela Universidade de Coimbra (Portugal), Rodolfo Viana
Pereira não faz discurso simplista em relação à política e aos políticos
brasileiros. Defende que há representantes que fazem bons trabalhos e que são
honestos.
Para ele, é preciso
que o eleitor recupere a confiança no que representa a escolha consciente dos
futuros presidente, senadores, governadores de Estado, deputados federais e
estaduais, no próximo 7 de outubro. “A democracia brasileira é recente e tem
pouco mais de 100 anos, com várias ditaduras e regimes de exceção no meio. A
democracia permite que exponha à luz do sol os problemas, para solucioná-los.
No atual cenário de instabilidade política, disseminar discursos de que tudo
está errado estimula o radicalismo e a polarização, tão perigosos para o país”,
afirmou.
Nesta entrevista, o advogado fala sobre alguns dos muitos mitos que circulam
pelas redes sociais na forma de fake news, que visam desestimular o
comparecimento às urnas, e sobre ideias para reformar o sistema eleitoral
brasileiro.
Como o cidadão pode participar da vida política se não quiser se candidatar?
A participação cidadã não se dá apenas de dois em dois anos, quando há eleições
municipais e gerais. Esses são momentos em que os eleitores devem acompanhar
candidatos e partidos políticos. No sistema democrático pleno, a participação
dos eleitores também inclui referendos, plebiscitos e iniciativas populares. As
pessoas também podem participar de audiências públicas. Dependendo do valor da
licitação, é obrigatório convocar uma audiência pública, inclusive.
A participação política também acontece nas redes sociais, por meio de
comentários e postagens nas quais o cidadão debate, critica, elogia e expressa
sua opinião. Mas não pode ser só isso.
Falando em redes sociais, há diversas fake news sobre a legislação
eleitoral.
Existe um debate sobre fake news, que juridicamente são notícias fraudulentas.
A dica para os eleitores é que, se uma informação afeta o seu estado emocional,
é preciso checar a veracidade dos dados. Esse tipo de publicação gera uma
reação passional tão forte que impulsiona as pessoas - e não os robôs como se
acredita - a passar os dados para frente rapidamente.
Ainda não há pesquisas científicas sobre o impacto das redes sociais nas
campanhas eleitorais. No entanto, no Brasil, 30% da população não tem acesso à
internet. O que existe de concreto é que o programa eleitoral gratuito,
transmitido pela TV e pelo rádio, são decisivos para o resultado do processo.
O voto obrigatório
está previsto no artigo 14 da Constituição Federal mas não é consenso entre os
brasileiros...
Trata-se do paternalismo do Estado em relação ao eleitor. Em tese, sou contra
qualquer tipo de paternalismo, mas, nesse caso, é uma medida que se justifica
porque, ainda que forçadamente, obriga que as pessoas participem do processo
eleitoral.
No plano pragmático, ainda não podemos nos dar ao luxo de desobrigar essa
participação porque os índices de votantes estão cada vez mais baixos. O
desencanto com a política tem aumentado votos nulos, brancos e abstenções. Se o
país retira a obrigatoriedade, o índice ficará cada vez mais baixo, o que
considero um risco para a democracia, e aumenta as ocorrências de crimes
eleitorais como compra/venda de votos e ameaças em seus diversos níveis.
Votos brancos e
nulos podem anular uma eleição?
Esse é um dos mitos que devem ser exterminados. Votos nulos e brancos não
anulam eleições. Antiga, essa fake news sugere que se a eleição for anulada, os
políticos bons vão aparecer. Só que isso é mentira porque os candidatos não
brotam na terra e são sempre amigos, filhos, pais, sobrinhos ou irmãs de
alguém.
Quando a pessoa vota nulo, reduz o número dos válidos e facilita a vida dos
candidatos que estão na frente das pesquisas, daqueles que já estão no poder,
dos milionários que têm condição de bancar campanhas caras e também das celebridades
(famosos).
Os votos nulos que podem anular uma eleição são outros, já concedidos a um
candidato que, por algum motivo, terá sua candidatura cassada por ter praticado
ilícito eleitoral. Quando isso acontece com presidente ou governador, são
convocadas novas eleições.
No caso de deputados, os votos são invalidados.
É possível fraudar a urna eletrônica?
A urna eletrônica é confiável e eu acredito que não há uma teoria de
conspiração para fraudar as eleições. Esse sistema de votação está no mercado há
vários anos e passou por diversos testes de confiabilidade. Por outro lado,
concordo com o Congresso Nacional que, por duas vezes, tentou aprovar um
projeto de lei que obriga a impressão do voto paralelamente ao registro no
equipamento. No entanto, o STF alegou inconstitucionalidade.
Com todo respeito à Corte, eu não concordo com isso porque a decisão não tem
argumentos jurídicos convincentes. O que pesou, nesse caso, é o custo da
mudança.
Sabe-se que, quem compra votos garante que tem como checar se a pessoa que
vendeu votou mesmo no candidato determinado. Isso é possível?
A venda de votos é uma questão cultural no Brasil e está entre os ilícitos
eleitorais. Mas essa ameaça não é verdadeira. É possível saber se a pessoa
votou, mas não em qual candidato. Nessas “negociações”, o comprador costuma
ficar até com a cópia do documento de identidade como garantia, o que é um
absurdo.
Como são distribuídos os votos?
Na eleição para presidente, senador e governador, o cidadão vota diretamente no
candidato, escolhe a pessoa.
Nas proporcionais, para deputados estaduais, federais e distritais (DF), a
pessoa vota no time de candidatos de um partido ou da coligação. Quando é
alcançado o coeficiente eleitoral - cota necessária para eleição - os mais
votados são conduzidos ao cargo.
Em 2010, quando os brasileiros elegeram Tiririca com mais de 1,3 milhões de
votos, ajudaram a levar para o Congresso Nacional 3,5 deputados federais, além
dele. Por isso é preciso escolher bem o candidato, investigá-lo na internet e
no site do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) dos Estados para saber se ele tem
propostas que “casam” com as necessidades do votante.
Felizmente, as coligações não serão autorizadas nas eleições de 2020, mas temos
que ficar atentos para que o Congresso Nacional, que aprovou a lei, não volte
atrás em 2022, para beneficiar os parlamentares daquela Casa.
Assim como a distribuição dos votos é diferente, a atuação de presidente e
governador é distinta da dos senadores e deputados?
Sim. As pessoas se preocupam muito com a eleição do presidente que vai ser o
chefe de governo e o chefe de Estado da República Federativa do Brasil. Os
governadores, por sua vez, vão administrar os estados.
Como Poder Executivo, eles aprovam as políticas públicas e destinam recursos
para sua execução.
Mas é importante escolher bem os senadores e deputados (estaduais, federais)
porque o Poder Legislativo - Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e
Congresso Nacional - são os locais onde acontece o debate para a definição das
politicas públicas, da legislação e das normas que vão fundamentar a gestão
publica durante o mandato em curso. O Legislativo é a caixa de debates da
sociedade, onde os eleitores estarão representados diretamente e os grandes
temas de interesse nacional serão apresentados e discutidos.
Lá, serão debatidas as pautas que virarão leis. Além disso, é a instância que
tem o papel de fiscalizar e de aprovar as contas do poder Executivo.
Por isso, o papel do deputado federal e do senador é relevante, pois eles
servem de base de controle e de apoio para o presidente da República. É lá,
também, que deve ser criada uma agenda legislativa política para o Brasil nos
próximos anos.
Deputados federais e senadores também alocam recursos para municípios e
estados.
É preciso que eles tenham boa formação parlamentar, com pessoas realmente
comprometidas com o Brasil e com a política e a democracia, para dar
continuidade ao processo de desenvolvimento do país.
A foto de Lula vai
estar na cédula eleitoral de outubro?
O ex-presidente Lula não tem o direito de pedir o registro de candidatura. O
Brasil tem um sistema de impedimentos para disputar eleições que é muito
rígido.
Lula está inelegível. O TSE indefiriu o pedido de candidatura. A
questão central é o direito de fazer propaganda eleitoral. Lula está preso e
não tem acesso a uma estrutura para fazer propaganda eleitoral na unidade prisional
onde está.
O TSE é a instância definitiva para as questões eleitorais, embora haja
possibilidade de recurso extraordinário ao STF. Tradicionalmente não há efeito
suspensivo da decisão do TSE.
Qual a sua opinião sobre a campanha eleitoral de 45 dias?
É uma campanha rapidíssima e com muitas limitações. Não é possível fazer quase
nada e, com o nível alto de restrição financeira, não há prazo suficiente para
a investigação dos candidatos pelos eleitores. Como está, o sistema é
interessante para quem é conhecido, está na frente das pesquisas, é muito rico
ou já tem base de fieis eleitores.
Isso deveria ser revisto, juntamente com todo o processo porque o julgamento
dos registros de candidatura acontece durante a campanha propriamente dita, o
que é um equívoco. O ideal é que, quando começasse a campanha, o eleitor já
soubesse quem está ou não no “páreo”. </CW>
Minha sugestão é que as convenções continuem a ser realizadas em abril, com
registros de candidatura em maio. Os julgamentos aconteceriam até julho e, a
partir de agosto, começaria a campanha propriamente dita, com duração de dois
meses.