Juiz
considerou 'hostilidades' de Lula ao Judiciário ao confiscar passaporte
Estadão Conteúdo
A decisão de
apreender o passaporte de Lula foi tomada no âmbito da Operação Zelotes, que
apura tráfico de influência
O juiz Ricardo
Leite, da 10.ª Vara Federal, de Brasília, levou em consideração declarações
hostis do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Poder Judiciário ao
decidir tirar o passaporte do petista. Na quinta-feira (25), o magistrado
ordenou que o documento fosse apreendido e proibiu Lula de deixar o País.
O advogado do ex-presidente entregou o passaporte na manhã desta
sexta-feira (26), à Polícia Federal, em São Paulo. A defesa afirmou que a
ordem do juiz Ricardo Leite "não se justifica" e é
"indevida".
O magistrado anotou que "é do conhecimento público a divulgação de
declarações em que aliados políticos do ex-presidente, visando à politização de
processos judiciais, cogitam a solicitação (se necessário) de asilo político em
seu favor para países simpatizantes".
"Entendo que a própria versão de protestos gerados em seu favor, bem como
a própria declaração do acusado, que acusa o Poder Judiciário de golpe em seu
desfavor, militam no sentido de que não se esquiva de uma tentativa de fixar
domicílio em algum outro país. Sua permanência em outro Estado seria, então,
somente o exercício de um 'suposto' direito de defesa, ante atuação autoritária
dos poderes constituídos. Diante desta postura, entendo necessária uma atuação
mais direta e eficaz para coibir este tipo de pretensão", afirmou Ricardo
Leite.
A decisão do magistrado impediu a ida do petista para a Etiópia. O Instituto
Lula anunciou o cancelamento da viagem a seis horas do embarque para o país
africano.
Lula embarcaria às 2h30 desta sexta-feira (26), para Adis Abeba, capital
etíope, com a volta programada para o dia 29. Ele participaria de um encontro
da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), a
convite da União Africana, que reúne 54 países.
De acordo com o juiz, as viagens internacionais e não oficiais de Lula,
"especialmente a países que não possuem tratado de extradição com o
Brasil, no curso da instrução processual de várias ações penais que tramitam
neste Juízo Federal Criminal, com designação inclusive de data para
interrogatório (ato que conta com a participação presencial do denunciado),
merecem tratamento diferenciado".
"Por outro lado, até os deslocamentos a países que possuem tratado de
extradição com o Brasil retardariam a execução de sua pena, já efetivamente
aplicada pelo TRF da 4ª Região, além de atrasar inúmeros processos em curso
nesta Vara", anotou.
"Aliado a isto, pelo menos nos termos da legislação brasileira, o réu não
possui direito ao asilo político, e a mera tentativa em obter este acolhimento
em outro Estado afrontaria a decisão já enunciada pelo Tribunal Regional
Federal da 4.ª Região, e obstaria o andamento de várias outras em curso nesta
Vara e em Curitiba. A meu sentir, neste aspecto, restaria violado o dois
pressupostos que autorizam sua prisão preventiva: assegurar a aplicação da lei
penal e a conveniência da instrução criminal (esta última no sentido de
necessidade do avanço do processos criminais que responde)."
Ao pedir o recolhimento do passaporte, os procuradores Anselmo Lopes e Hebert
Mesquita afirmaram que a execução provisória da pena do petista no caso do
triplex "pode ocorrer em questão de semanas". Eles escreveram também
que "é possível afirmar que passou a existir risco concreto" de
"possível fuga do País".
A decisão de apreender o passaporte de Lula foi tomada no âmbito da Operação
Zelotes, que apura tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização
criminosa na compra dos caças suecos Gripen e na prorrogação de uma medida
provisória.
Na quarta-feira (24), o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4),
em Porto Alegre, confirmou a condenação imposta a Lula pelo juiz Sérgio Moro,
por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex no Guarujá (SP),
no âmbito da Operação "Lava Jato". A pena foi elevada de 9 anos e 6
meses para 12 anos e 1 mês de prisão e será cumprida após a análise dos embargos
de declaração, único recurso cabível, mas que não altera a decisão.
Defesa
O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse a jornalistas, após deixar a
sede da Policia Federal em São Paulo, no final da manhã dessa sexta-feira (26),
que a decisão da justiça em apreender o passaporte do petista não tirou a sua
serenidade. "Lula está sereno, mas, como toda pessoa que sofre uma
restrição indevida de seus direitos, é natural que exista um sentimento de
indignação", emendou.
Zanin reiterou que ficou estarrecido com a ordem de apreensão do passaporte,
que a medida não se justifica e adiantou que vai recorrer da decisão, "até
porque foi baseada em um processo que não está sob a jurisdição do juiz que
determinou essa medida".
Segundo o advogado, a proibição fere o direito de ir e vir do presidente, que
está assegurada pela Constituição Federal e por tratados internacionais dos
quais o Brasil é signatário. "O próprio Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF-4) não se opôs à viagem, que foi comunicada com antecedência",
explicou.