Uma tragédia centenária
Manoel Hygino
Na sessão da última
quinta-feira de abril da Academia Mineira de Letras, o secretário de Estado da
Cultura, Ângelo Oswaldo, de privilegiada e invejável memória, comentou comigo
aproximar-se o centenário da morte da família real russa. Pouco, aliás, se tem
ouvido sobre a própria Revolução de 1917, mas falta menos de um ano para o fim
dos Românov. Transportada através do imenso país até os Urais, ela se instalou
na cidade de Ekatarinburgo, na casa Ipatiev, de dois andares, confortável e
ampla.
A revolução durou de
1917 a 1920, encerrando a monarquia absoluta de Nicolau II e deixando 6 milhões
de mortos, vítimas de massacres, fome e epidemia. Entre as vítimas, aliás, a
própria família real – o soberano, a czarina Alexandra e os cinco filhos
(quatro mulheres e o caçula, herdeiro do trono), assassinados na madrugada de
17 de julho de 1918, após confinados 78 dias.
Robert K. Massie,
que estudou a fundo o tema, descreve os derradeiros momentos: “era meia-noite
quando Yakov Yurovsky, líder dos executores, subiu as escadas para acordar a
família. Justificou a invasão, afirmando que era preciso remover todos para o
porão, por causa do risco de serem atingidos por tiros disparados da rua. Em 40
minutos, Nicolau, 50 anos; Alexandra, 46; o filho Alex, 13 e as filhas – Olga,
22; Tatiana, 21; Marie, 19; e Anastasia, 17; arrumaram-se. Aléxis, que era
hemofílico, estava debilitado e precisou ser carregado pelo pai. Um médico,
amigo do czar, que estava retido na casa, e mais dois empregados, também foram
obrigados a acompanhá-los”.
O grupo desce ao
porão. O líder determina que todos fiquem lado a lado para uma foto. Com isso,
provaria em Moscou que os reféns não tinham fugido. Em vez de um fotógrafo,
onze homens armados entram no local. Faz-se a sentença de morte e o pelotão
começa a atirar.
Depois do
fuzilamento, só fumaça, o cheiro de pólvora e um rio de sangue. Um pequeno
gemido e um movimento. O rapazola, herdeiro do trono, ainda nos braços do pai,
moveu fracamente a mão para segurar-lhe o casaco. Um dos atiradores deu um
pontapé na cabeça de czarevevith. Yurovsky avança e dispara dois tiros no
ouvido do menino. Anastasia,que apenas desmaiara, recupera a consciência e
grita. Todo o grupo se volta para ela com baionetas e coronhas de espingardas.
Estava terminado.
Nicolau levara um
tiro de revólver na cabeça e morrera instantaneamente. Alexandra só teve tempo
de erguer a mão e benzer-se. O médico Botkin cai, morto. A criada Demidova
resistiu à primeira descarga, mas foi trespassada por baionetas. O corpo de
Trupp, empregado da família, estava também lá. Não havia dó ou piedade. O
cãozinho Jimmy, um spaniel levou uma coronhada, que lhe esmigalhou o crânio.
Os corpos foram
embrulhados em lençóis e colocados num caminhão. Antes da madrugada, o veículo
chegou ao local previamente escolhido, o bosque “Quatro Irmãos”. Começa o
desmembramento dos corpos. O que restava era dissolvido em ácido sulfúrico,
alguns ossos queimados.
O Inquérito
Judiciário sobre o assassinato foi realizado por Nicolas Sokoloff, juiz de
Instrução do Tribunal de Omsk, publicado em Paris, em 1924 documento sobre a
tragédia de Ekaterinburgo, com plantas e 83 fotografias inéditas. Tenho um
exemplar da época. Em menos de um ano, será o primeiro centenário da tragédia.


