Depressão:
falar abertamente sobre a doença é caminho para reduzir o preconceito
Flávia Ivo
“Mesmo que a pessoa negue os sintomas, ela percebe que algo está errado.
Buscar um profissional para se tratar é essencial”, ressalta o médico Marco
Túlio de Aquino
Aos 40 anos, a
dentista Maria do Carmo Santos Freitas, hoje com 57, acreditava não ter mais
motivos para viver. O então marido dizia com frequência que ela, mãe de seus
dois filhos, era a pior mulher do mundo.
“Ele dizia tanto que
comecei a admitir ser a pior mãe, esposa, amante, dentista... Só pensava em
morrer”, conta.
“Eu não dormia entre 3h e 5h da manhã e foi só piorando. De madrugada,
quando eu acordava, sentia tanta angústia que pedia para o mundo acabar. Então,
houve uma situação tensa que foi um gatilho para que o que eu tinha de forças
acabasse. Eu só chorava”
Isabela Soares
Arquiteta, 42 anos
Isabela Soares
Arquiteta, 42 anos
O pensamento de que
a vida havia acabado ali, levou Maria do Carmo a tentar suicídio por quatro
vezes, três delas com excesso de remédios e a última cortando os próprios
pulsos com um estilete.
“Meu cachorrinho me
encontrou caída no chão, começou a latir, e acabou acordando minha filha, que
me levou para o hospital”, lembra.
A dentista, hoje
aposentada, estava em depressão, um transtorno mental frequente no mundo e que
pode atingir pessoas de todas as idades, em qualquer etapa da vida.
Globalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 350 milhões sofram
com a síndrome.
Neste mês,
comemora-se o Dia Mundial da Saúde e a OMS elegeu a depressão para a campanha
de conscientização de 2017. Com o lema “Let’s talk” (“Vamos conversar”, na
tradução livre), a iniciativa busca mostrar formas de prevenir e tratar a
doença.
Conforme a OMS,
5,8% dos brasileiros sofrem de depressão, o segundo maior percentual
das Américas, atrás apenas dos EUA, com 5,9%.
Conscientização
A resistência que a
sociedade tem em falar sobre as doenças mentais e a ignorância sobre o assunto
reforçam a importância dessa tentativa de conscientização, afirma o médico
psiquiatra Roberto Lúcio Vieira de Souza, diretor-técnico do Hospital Espírita
André Luiz.
“Depois da terceira tentativa de suicídio, fui levada a um psiquiatra
pelo meu ex-marido e meus filhos. O médico recomendou choque elétrico e
internação para fazer sonoterapia. Fiquei internada por mais de mês. Tomei
tantos remédios que nem me lembro mais”
Maria do Carmo Santos Freitas
Dentista aposentada, 57 anos
Maria do Carmo Santos Freitas
Dentista aposentada, 57 anos
“A nossa cultura tem
uma visão de que só é doença aquilo que é visível. Uma ferida ou uma mudança
brusca na aparência, por exemplo. Os deprimidos acabam ouvindo que não têm
vergonha na cara ou que lhes falta o que fazer ou até mesmo fé”, observa o
psiquiatra.
Sintomas
A mudança do aspecto
exterior foi o que mostrou aos conhecidos do servidor público Guilherme Neves,
de 44 anos, que ele havia superado a depressão.
“Não tinha motivação
pela vida e buscava auxílio na comida. Cheguei aos 152 quilos. A expectativa
por um recomeço me reequilibrou e já eliminei mais de 50 quilos até agora.
Resgatei minha verdadeira identidade”, afirma.
A oscilação do
apetite, menor ou maior, é um dos sintomas mais comuns enfrentados por aqueles
que sofrem de depressão, explica o psiquiatra Marco Túlio de Aquino, integrante
do Comitê de Especialidades da Unimed-BH.
“As mulheres são mais acometidas pela depressão do que os homens. Seja
por fatores hormonais, por uma maior pressão da vida, já que elas têm a
preocupação com o lar, com os filhos... Além disso, expressam melhor os
sentimentos do que eles”
Marco Túlio de Aquino
Médico psiquiatra
Marco Túlio de Aquino
Médico psiquiatra
“Os sintomas variam
de intensidade de indivíduo para indivíduo. Quando há o aumento do apetite, a
depressão vem associada à ansiedade”, destaca.
Recusa
Recusa
A negação dos
sintomas é uma das situações mais comuns entre os deprimidos. É o caso da
arquiteta Isabela Soares, de 42 anos.
“Eu já estava com
depressão há bastante tempo, mas é difícil assumir o problema. Fui empurrando”,
recorda.
Na semana passada,
Isabela foi liberada dos remédios pelo psiquiatra. Hoje, percebe claramente
como se sentia há dez meses, quando iniciou o tratamento. “Estava totalmente
apática, sou uma pessoa muito dinâmica e otimista e tinha virado o oposto”.
Diferente da
tristeza ocasional, a depressão é um distúrbio crônico em que a alteração do
humor é uma das características mais presentes, como aconteceu com a bancária
aposentada e designer, Regina Lúcia Metzker, de 64 anos.
“Foram vários antidepressivos e em ‘toneladas’. Comecei a não sair da
cama, não cuidar da minha saúde, tampouco da aparência. Mas, em momento algum
pensei em suicídio, sempre amei a vida”
Regina Lúcia Metzker
Bancária aposentada, 64 anos
Regina Lúcia Metzker
Bancária aposentada, 64 anos
“Quando me separei
do meu segundo marido, entrei em estado de euforia, parei de chorar e achei que
estava tudo resolvido. Mas logo comecei a sentir uma tristeza profunda, tudo
parecia escuro, um poço profundo”.
Terapia e medicação
são tratamentos eficazes para o transtorno
A projeção da OMS é
a de que 50% das pessoas ao redor do mundo com o transtorno nem cheguem a
receber tratamento. No entanto, ele existe e deve ser feito assim que ocorre a
percepção dos sintomas.
“Procurar um
profissional especializado é o primeiro passo para clarear a causa desses
sintomas. É possível haver um quadro orgânico por trás da depressão, como uma
outra doença que possa ter desencadeado o transtorno”, esclarece o psiquiatra
Roberto Lúcio Vieira de Souza.
“A oscilação de humor diária não é depressão. Todos nós temos momentos
de tristeza e alegria. Mas, a tristeza na depressão tem um tempo mais
prolongado. Além disso, é importante dizer que, apesar de estar triste ser uma
característica comum à maioria dos que sofrem com o transtorno, há pessoas que
estão deprimidas e não se sentem tristes. Nestes, os principais sintomas são a
apatia, a falta de ânimo e de força para executar atividades simples do dia a
dia. Uma dona de casa, por exemplo, não conseguirá pensar nos pratos que
irá fazer para o almoço”
Roberto Lúcio Vieira de Souza
Médico psiquiatra
Roberto Lúcio Vieira de Souza
Médico psiquiatra
Gatilho
Perdas e frustrações
também podem ser gatilhos para um quadro depressivo se instalar, como aconteceu
na vida da jornalista Verônica Cruz, de 34 anos.
“Não tinha condições
financeiras para concluir a faculdade no tempo certo. Para um curso de quatro
anos, acabei demorando nove para formar. Sentia que meus sonhos estavam ficando
para trás”, relembra.
“Então, comecei a me
automedicar com remédios que via outras pessoas tomarem. Só depois procurei um
psiquiatra e comecei o tratamento”, diz.
Dependendo do grau
da depressão, é possível que o processo psicoterápico seja suficiente, relata o
médico Marco Túlio de Aquino.
“Em casos mais
leves, não é necessária a medicação. No entanto, para os mais graves, a
associação das estratégias – fármacos e psicoterapia – apresenta melhores
resultados do que só os remédios”, explica.
Esperança
A bancária
aposentada Regina Lúcia Metzker não está em depressão mais, no entanto, mantém
visitas de 15 em 15 dias ao psicanalista.
“Hoje não sei como
passei este tempo da minha vida, parece que sonhei. Sonho não, pesadelo. Estou
feliz e amando a vida do mesmo jeito de antes”, expõe.
“As pessoas não enxergam o transtorno como uma doença. A gente acaba
sofrendo sozinho, fica prostrado, desamparado”
Verônica Cruz
Jornalista, 34 anos
Verônica Cruz
Jornalista, 34 anos
A dentista Maria do
Carmo Santos Freitas recorda do tempo em que viveu a depressão com a certeza de
que tudo já passou.
“Espero que mostrar
essa história sirva de ajuda para outras pessoas que enfrentam essa doença, que
tanta gente acredita não existir”, coloca.



