A causação circular
Paulo Haddad / 07/02/2017
- 06h00
Quando se vive uma
crise econômica muito profunda, capaz de nos atormentar, há uma tendência de
acreditarmos, em algum momento, que se chegou ao fundo do poço e que tudo tende
a melhorar a partir daí. Muitas vezes um espasmo mensal de crescimento no
ciclo econômico passa a ser confundido com o início de uma nova fase de
prosperidade da economia.
A expansão do
emprego localizada em um setor específico faz surgir esperança de que as taxas
de desemprego irão diminuir de forma generalizada ou a ilusão de que o
reequilíbrio de força entre as potências econômicas mundiais será alterado por
causa de novo evento político e que o processo de globalização
econômico-financeira vai se redinamizar e abrir novas oportunidades de comércio.
A dificuldade maior
é que, em economia, muitas vezes, existe um fenômeno denominado de causação
circular de efeitos acumulativos, de tal forma que uma ação gera reações que se
acumulam e se aprofundam na mesma direção em um ciclo vicioso e não na direção
oposta de um reequilíbrio virtuoso.
Por exemplo, um país
mais pobre e de baixa renda não dispõe da poupança necessária para financiar os
investimentos que poderiam ampliar a sua capacidade produtiva com mais
fábricas, mais áreas agricultáveis, mais infraestrutura econômica e social e
mais empregos. Menor capacidade produtiva significa menor capacidade de gerar
uma renda nacional maior, o que está associado com menor nível de poupança da
sociedade. Fecha-se, assim, o ciclo vicioso da pobreza, ou seja, pobreza gera
mais pobreza.
O mesmo pode ser
dito da recessão econômica: recessão econômica gera mais recessão econômica e
não um eventual fundo do poço a partir do qual pode ocorrer um processo de
retomada econômica. O fundo do poço da economia é uma imagem ilusória da
síndrome do W e do V, segundo a qual após a queda do nível de renda e de
emprego, em algum momento deverá emergir, pelas forças do mercado, a retomada
do crescimento (V), ainda que possa vir a ocorrer um duplo mergulho seguido de
uma dupla retomada (W).
Há três mecanismos
através dos quais o processo recessivo de hoje pode se tornar o embrião da
recessão econômica de amanhã. Em primeiro lugar, se a recessão se prolonga,
cria-se uma capacidade ociosa nas fábricas e na infraestrutura da economia, o
que não incentiva novos investimentos que poderiam propulsionar os níveis de
emprego e de renda. Não se investe porque fica a impressão de que se investiu
em excesso no passado.
Em segundo lugar,
desempregados não têm renda para financiar os seus gastos de consumo, por isso
reduzem a demanda de encomendas às empresas que são induzidas a desempregar
mais. O desempregado de hoje poderá ser a causa do desempregado de amanhã,
enredados pela causação circular acumulativa da recessão.
Em terceiro lugar, o
governo que poderia realizar investimentos adicionais em infraestrutura e
ativar os efeitos multiplicadores de emprego e renda, não tem como financiá-los
diante da redução persistente de receitas tributárias num regime recessivo.
Como interromper
essa causação circular que acumula mazelas sociais e mal-estar econômico? Como
iniciar um processo de causação circular onde o empregado de hoje poderá
favorecer o empregado de amanhã, onde o gasto público se multiplique em receita
pública e o consumo reative os negócios?
É necessário
construir as bases de uma nova política econômica de ajuste com crescimento a
qual, de início, precisa acelerar a queda nas taxas de juros a fim de oxigenar
as expectativas dos agentes econômicos. Não é possível conviver com taxas de
juros nos limites da agiotagem financeira, que sufocam empresas e governos
endividados e ampliam os ganhos especulativos dos detentores da riqueza
financeira nacional.
Keynes dizia que o
capitalismo somente poderia encontrar legitimidade se as pessoas de rendas mais
modestas continuassem a acreditar que as pessoas mais ricas mereciam sua sorte
graças às suas contribuições construtivas para a sociedade, e não graças à
especulação e ao roubo.