Nem 'branco' nem 'negro':
árabes americanos querem acabar com lacuna estatística
AFP
A comunidade muçulmana americana quer entrar na estatística para
aumentar seu peso político
"Branco", "negro" ou "outra raça": os
americanos originários do Magrebe ou do Oriente Médio têm uma escolha limitada
para se definir durante o recenseamento populacional, mas esta lacuna
estatística pode desaparecer em breve.
Pela primeira vez em mais de 45 anos, a administração está considerando
adicionar ao seu questionário uma categoria reservada aos americanos
originários da região "Oriente Médio-Norte da África", que se somaria
às categorias "branco", "afro-americano",
"asiáticos" e outros.
"Esta medida visa melhorar os dados sobre raça e etnia para que
possamos oferecer ao nosso país importantes informações sobre a nossa
diversidade crescente", explica Rachel Marks, especialista do Census
Bureau, a agência federal de estatísticas.
O processo entrou na sua fase final, mas divide a comunidade muçulmana
americana, que quer se fazer contar para aumentar seu peso político, mas que
reluta em se amostrar em meio a uma crescente retórica anti-Islã.
Em caso de vitória do candidato Donald Trump à Casa Branca,
"tememos que esta designação possa nos fazer mal. Será que devemos
fornecer uma ferramenta para alguém que quer proibir os muçulmanos de entrar
nos Estados Unidos ou colocá-los sob vigilância?", questiona Osama Jammal,
secretário-geral do Conselho americano de Organizações Muçulmanas, que ainda
não tomou uma posição oficial sobre o assunto.
Dilema
Todos concordam em um ponto: os americanos de origem iraniana, libanesa
ou saudita enfrentam um dilema no momento de se definir formalmente.
"Somos brancos? Nós certamente não somos negros, mesmo que alguns
de nós venham do Norte da África. Trata-se da cor da pele ou região? Este
dilema afeta a todos", afirma Jammal.
Na França, onde as estatísticas étnicas estão proibidas desde o regime
de Vichy, tal questionamento não é relevante.
Mas nos Estados Unidos, os dados sobre as origens geográficas ou cor da
pele irrigam muitas estatísticas oficiais, permitindo, por exemplo, saber que a
taxa de desemprego entre os negros é o dobro dos brancos.
O censo, realizado a cada dez anos nos Estados Unidos, questiona
claramente: "Qual é a raça da pessoa", propondo assinalar uma ou mais
opções dentre 15.
No final dos anos 1990, as associações começaram a pressionar para que
as pessoas originárias do Oriente Médio fossem oficialmente registradas.
Mas os ataques de 11 de Setembro e o medo de que tal ferramenta fosse
usada contra os muçulmanos fizeram adormecer o projeto.
Uma polêmica também havia eclodido em 2004, quando o Census Bureau tinha
fornecido às autoridades informações sobre a localização de americanos que
indicaram durante o censo de 2000 ter "antepassados" do Oriente
Médio.
"Isso criou um enorme furor na comunidade muçulmana, porque eles
pressentiram que isso seria utilizado para monitoramento, e esse provavelmente
era o objetivo", explica Matthew Snipp, professor de ciências humanas na
Universidade de Stanford.
Este episódio trouxe a tona memórias escuras e distantes, quando o
Census Bureau tinha sido acusado de ajudar a identificar os americanos de
origem japonesa colocados em campos de concentração durante a Segunda Guerra
Mundial.
Estes receios de instrumentalização, no entanto, não impediu que o
assunto voltasse à mesa do Census Bureau, que iniciou oficialmente a sua
deliberação em 2014 depois de um novo lobby associativo.
"Esta é uma preocupação legítima, mas não devemos responder vivendo
nas sombras ou escondendo a nossa origem", disse à AFP Jamal Abdi do
Conselho Nacional Iraniano-americano, que vê no censo uma forma de se fazer
ouvir politicamente.
Em uma área em que há uma concentração de pessoas de origem árabe, o
Estado poderia, portanto, ser encorajado a oferecer serviços em árabe, como o
já o faz muitas vezes em espanhol.
"Isso vai ajudar as autoridades a fornecer o melhor serviço
possível, tendo em conta a grande diversidade de sua população", afirma
Corey Saylor, do Conselho de Relações Americano-Islâmicas.
A questão deverá ser decidida politicamente. Se o Census Bureau for
adiante, a nova categoria será exibida no próximo censo, em 2020, com a
aprovação do Congresso.