Valor do voto
Frei Betto
Votar é um ato de caridade. Ou de egoísmo e, portanto, de ofensa ao
próximo e a Deus. Posso votar com raiva, visando apenas a derrotar o adversário
de meu candidato. Ou porque espero obter da eleição algum beneficio pessoal.
Desde a Grécia antiga, votar é escolher quem deve administrar a cidade
para o bem comum. A democracia nasceu imperfeita, pois entre os gregos eram
poucos os homens livres se comparados ao número de escravos, e imperfeita a
democracia continua. Cabe a nós, cidadãos, aperfeiçoá-la.
Está ao alcance de nosso voto escolher vereadores e prefeitos que
administrem o município em favor da maioria da população, e não de corporações
ou da minoria que usa a máquina pública em benefício próprio, inclusive
embolsando o dinheiro de nossos impostos pela via da corrupção.
Votar bem nos exige espiritualidade. Torna-se um ato de caridade quando,
ao me aproximar da urna, não penso em meus interesses, mas nos direitos
daqueles que ainda se encontram sem acesso digno à alimentação de qualidade, à
saúde, à educação, à cultura, ao transporte público, à moradia e ao lazer.
O olho do eleitor deve se estender para além de seu bairro e se perguntar
como o seu voto pode melhorar as condições de vida nas periferias, erradicar as
favelas, favorecer o transporte coletivo, ampliar o saneamento, e combater os
cartéis de ônibus, as milícias e o narcotráfico.
“Vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (João 10,10),
disse aquele que partilhou os pães e os peixes para saciar a fome da multidão.
A vida é o dom maior de Deus. Portanto, não há exagero em afirmar que votar de
acordo com a vontade de Deus é eleger vereadores e prefeitos que terão por meta
favorecer a maioria da população do município, em especial os mais carentes de
direitos.
O voto de caridade não se pergunta se o candidato é cristão, espírita,
adepto do candomblé ou ateu. “Nem todo aquele que diz Senhor, entrará no Reino
dos Céus” (Mateus 7,21).
Há candidatos que posam de santinhos, são indicados por padres e
pastores, enchem a boca com o nome de Jesus, mas são lobos em peles de ovelhas.
Estão centrados em suas ambições políticas pessoais e vinculados aos interesses
escusos das corporações que representam. São insensíveis aos dramas dos pobres
e dos excluídos.
Não nos deixemos enganar por belos discursos e sedutoras promessas.
Procuremos nos informar sobre a vida pregressa de nossos candidatos. Verificar
se, de fato, se empenharam pelo bem da maioria e lutaram contra os preconceitos
e a opressão.
Caso contrário, estaremos semeando vento para colher tempestades. E a
democracia brasileira já se encontra suficientemente fragilizada para
alicerçarmos sua base – a eleição municipal – na areia movediça dos que, uma
vez eleitos, cospem em nossos votos. Nossa democracia precisa estar enraizada
na pedra sólida de quem veio para servir a todos, e não para tirar proveitos e
obter privilégios.