VERDADES
QUE NENHUM GOVERNO QUER ACREDITAR!
O que fazer para melhorar a educação? O educador José Pacheco dá pistas
O
educador José Pacheco defende uma escola sem salas de aula, divisão de turmas
ou disciplinas, ou seja, pensa que o modelo atual de ensino precisa de mudanças
profundas para dar certo. "A velha escola há de parir uma nova educação,
mas as dores do parto serão intensas, enquanto a tecnocracia e a burocracia
continuarem a invadir domínios onde deveria prevalecer a pedagogia", diz o
pesquisador.
Apesar de
português, Pacheco conhece bem o Brasil e já visitou experiências educacionais
em várias cidades do país. Ele diz que o Brasil possui excelentes professores e
teóricos, e que uma mudança depende de autonomia e da dignidade de um diálogo
horizontal e respeitoso entre escolas e poder público.
Sobre
algumas das bandeiras mais defendidas pelos candidatos na campanha deste ano,
Pacheco diz que não adianta aumentar o tempo na escola se a estrutura continua
a mesma, o que ele chama de dose "dupla de tédio", e que usar tablets
na sala de aula não resolve os problemas da escola, eles "apenas
contribuem para reforçar a mesmice". Leia a seguir a entrevista com o
educador, que acaba de lançar o livro "Crônicas Educação".
UOL
Educação - Alguns candidatos à presidência da República listam em seus planos
de governo o incentivo ao uso de tecnologias da informação e da comunicação em
sala de aula. Na sua opinião, qual deve ser o peso dessas ferramentas no dia a
dia dos alunos?
José
Pacheco - Com ou
sem novas tecnologias, a escola precisa ser reinventada. Mas do modo como as
novas tecnologias estão a ser introduzidas nas escolas, temo que se transformem
em panaceias, que sirvam para congelar aulas em computadores, aulas que os
alunos, acostumados ao imediatismo e à velocidade dessas tecnologias,
acriticamente consumam, sem resquícios de cooperação com o aluno vizinho,
dependentes de vínculos afetivos precários, estabelecidos com identidades
virtuais. É comum verificar que a utilização de quadros interativos e o recurso
a tablets, por exemplo, são considerados indicadores de qualidade, quando
apenas contribuem para reforçar a mesmice.
UOL - Em
seus planos de governo, os presidenciáveis destacam a ampliação do ensino em
tempo integral. Qual é o impacto do aumento da permanência da criança na
escola?
Pacheco - Um bom exemplo de iniciativa
ministerial é o "Mais Educação". Porém, a interpretação prática de
uma proposta de elevado potencial redundou, em muitas escolas, na criação de
"contraturnos" feitos de atividades desconexas, transformando o turno
integral numa dose dupla de tédio. O impacto poderá ser positivo, se não se
tratar apenas de "tempo integral", mas de desenvolver educação
integral em tempo integral. Não se aprende apenas no restrito tempo
escolar de quatro horas diárias, ou adicionando horas de
"contra-turno". A aprendizagem acontece vinte e quatro horas de cada
dia, nos trezentos e sessenta e cinco dias de cada ano. Deveremos aproveitar a
iniciativa do "Mais Escola" para recuperar a ideia de vizinhança, de
solidariedade, de fraternidade, de responsabilidade social.
UOL -
Acaba de entrar em vigor no Brasil o novo PNE (Plano Nacional de Educação), com
metas para a educação brasileira os próximos dez anos. Quais são os seus pontos
negativos e positivos?
Pacheco - A par do reconhecimento de
muitos dos seus méritos, deverei denunciar o fato de em nenhuma das suas propostas
e conclusões haver indícios de uma ruptura de paradigma. O PNE deixa pressupor
que o sistema educativo se manterá cativo do velho modelo epistemológico do
século 19. Celebro o PNE como documento de macro política. Mas a melhoria da
educação depende mais de pequenos gestos quotidianos, no chão das escolas.
UOL - Uma
das principais metas do PNE é a destinação de 10% do PIB para a educação. Na
sua opinião, mais dinheiro para a educação está relacionado ao aumento da
qualidade do ensino?
Pacheco - É louvável essa iniciativa.
Porém, a manter-se a prevalência do modelo epistemológico do século 19, de que
enferma a maioria das escolas brasileiras, a destinação de 10% do PIB apenas
dará aso a um maior desperdício de recursos.
UOL -
Qual é a sua avaliação sobre a definição de uma base curricular nacional?
Pacheco - Seria útil rever currículos. As
ditas "grades" de língua portuguesa, por exemplo, são amontoados de
conteúdos inúteis. Para que serve decorar termos como "dígrafo", ou
expressões como "sujeito nulo subentendido"? O leitor saberá o que
são "plantas epífitas", ou em que consiste um "ato elocutório
diretivo"? Nem eu! Mas os alunos são receptáculos de uma acumulação
cognitiva, que nem mil horas de "carga" poderiam contemplar. Quando
aluno, fiz decoreba dos afluentes da margem esquerda de rios africanos e outras
lengalengas que me ocupam a memória de longo prazo e que não me fizeram mais
sábio nem mais feliz.
UOL - Um
dos entraves da educação básica hoje é ensino médio, fase em que muitos jovens
deixam a escola. Alguns candidatos à presidência defendem a reformulação do
ensino médio. O que precisa mudar na sua opinião?
Pacheco
- Na minha
opinião, não é somente o ensino médio que precisa mudar. Predomina nas escolas
uma cultura que assente no individualismo, na competição desenfreada, na
ausência de trabalho em equipe, na ausência de verdadeiros projetos. Nas
decisões de política educativa, prevalece o discurso de economistas,
engenheiros, técnicos de informática, jornalistas, gestores, diretores de marketing,
ex-ministros, empresários, tudo gente de boa vontade, mas desprovida de
conhecimento pedagógico. Talvez devamos apelar ao bom senso dos candidatos e
dos titulares do poder público, pedir-lhes que estejam atentos a excelentes
práticas que muitos educadores brasileiros vêm produzindo, sem importação de
modas pedagógicas, e que são o contraponto da construção social
"escola", que a modernidade nos deixou como herança. A velha escola
há de parir uma nova educação, mas as dores do parto serão intensas, enquanto a
tecnocracia e a burocracia continuarem a invadir domínios onde deveria
prevalecer a pedagogia.
UOL -
Você acha que dar um auxílio financeiro (bolsa) ou oferecer o ensino médio
aliado à capacitação profissional são saídas para reduzir o abandono nessa
fase?
Pacheco - Duvido que essas medidas logrem
grandes mudanças. O meu conhecimento da educação é parco, mas suficiente para
poder afirmar que há motivos para ser esperançoso. Não tanto pelos progressos
na política educativa, que continua sendo desastrosa, mas pelos projetos que,
por toda a parte, vejo surgir. O Brasil tem excelentes professores e os
melhores teóricos do mundo. O drama educacional brasileiro poderá sintetizar-se
numa frase: jovens do século 21 são ensinados por professores do século 20, com
recurso a práticas do século 19, em práticas desprovidas de fundamentação
científica. A lei brasileira permite ultrapassar esta situação. Estou a falar
de autonomia, da dignidade de um diálogo horizontal, respeitoso entre escolas e
poder público. Temos razões para acreditar que a educação do Brasil pode
melhorar.