O que os rolezinhos dizem sobre o direito à cidade?
por
Danilo Mekari e Pedro Ribeiro Nogueira
Antes
relegados à lugares invisíveis da cidade, onde não reuniam tanta gente e nem
chamavam tanta atenção, os encontros de jovens da periferia de São Paulo
tomaram outras proporções a partir do dia 7/12 do ano passado, quando ocorreu o
primeiro rolezinho – encontro marcado via redes sociais – no Shopping Metrô
Itaquera. Ao mesmo tempo, tramitava um projeto de lei que coibia os bailes funks
de acontecerem nas ruas, posteriormente vetado pelo prefeito Fernando Haddad
(PT).
Para quem
participa está claro o motivo da reunião: se divertir, escutar música, fazer
amizades e até mesmo paquerar – tudo isso dentro dos templos do consumo que
esses mesmos jovens são tentados a fazer parte diariamente, através da
publicidade intensa e da ostentação de outras classes mais abastadas.
Para os
reais consumidores dos shoppings, porém, esses encontros são uma ameaça à
tranquilidade com que fazem suas compras e, mais, devem ser devidamente
contidos pelas forças de segurança e proibidos pela Justiça.
Os
rolezinhos, porém, não pararam de crescer. Se antes eram restritos à capital
paulista, agora se espalham por vários estados. E, se antes também se
restringiam a um encontro de jovens das camadas mais populares, hoje há rolês
organizados por jovens de classe média, universitários e movimentos sociais que
apoiam o direito de ir e vir desses adolescentes.
Também se
tornaram pauta prioritária na agenda do governo federal, por receio de se
tornarem o estopim de novas manifestações, inclusive com a participação de
black blocs.
Instigado
por esse debate e em busca de sentidos para esse fenômeno, o Portal Aprendiz
perguntou para Leonardo Sakamoto, Ermínia Maricato, Douglas Belchior, Alexandre
Barbosa Pereira e Pablo Ortellado o que os rolezinhos nos dizem sobre a
segregação e o direito à cidade.
Confira
as respostas!
Leonardo
Sakamoto –
jornalista e doutor em Ciência Política, autor do Blog do Sakamoto
“A maior
parte da molecada que vai aos rolezinhos não quer fazer nenhum protesto e sim
curtir e ser curtido. Não são politizados, como também não era a maioria dos
que foram às ruas nas jornadas de junho. Mas o cutucão, se não é o objetivo,
acaba sendo o efeito colateral, pois a presença deles naquele espaço provoca
uma reação violenta. Daí, há dois caminhos para analisar os rolês: quem são e o
que querem esses jovens e o porquê da reação de determinados grupos sociais,
sejam eles do centro ou da própria periferia.
Shoppings
são bolhas, oferecem a garantia de que nada vai acontecer com você se estiver
lá dentro comprando. Da mesma forma que cercas eletrificadas mentem sobre a
proteção de casas, que carros blindados mentem sobre a proteção de famílias,
que a presença de uma arma de fogo mente quando promete afastar qualquer risco
real.
Quando
centenas de “intrusos” ameaçam invadir essa realidade virtual, querendo fazer
parte dela, seus usuários sentem que ela se desligou de repente e entram em
pânico. Porque esse grupo de garotos e garotas talvez não entenda, mas é
exatamente deles que parte do povo que se refugia em shoppings quer fugir. Fisicamente.
Simbolicamente.”
Ermínia
Maricato –
professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP
“Nas
relações sociais, no Brasil, existe uma profunda distância entre discurso e
prática ou entre o texto da lei e sua aplicação. Em consequência, grande parte
da sociedade permanece sem direitos previstos na legislação. São ignorados,
segregados e invisíveis apesar das dimensões dessa exclusão. Como essa espécie
de apartheid não é clara e assumida, vive-se uma contradição, um faz de
conta. Faz de conta que isso é uma democracia, faz de conta que a lei se aplica
a todos da mesma forma, faz de conta que todos têm direitos iguais, como é o
caso do direito à cidade.
O que a
prática dos rolezinhos tem de notável, fantástico, extraordinário mesmo, é o
desnudamento dessa contradição. Quando os exilados urbanos decidem andar pela
cidade, esse apartheid explode na cara da sociedade ainda que não seja
essa a intenção da maior parte da moçada. Essa atitude questiona,
profundamente, a sociedade que aprendeu a ser cínica (especialmente o “partido
da mídia”) para esconder a incrível desigualdade de um país que não é pobre mas
tem um povo pobre.”
Douglas
Belchior –
professor de História e integrante da UneAfro Brasil, autor do blog Negro Belchior
“Por
parte dos shoppings vemos temos uma contradição, já que se espalharam pelas
periferias justamente atrás do poder aquisitivo desse público que eles agora
recusam.
A medida
em que o mundo, através de seus valores, convence a população de que para “ser”
é preciso “ter”, de que “viver” é não apenas “consumir” mas também “ostentar”…
e ao mesmo tempo não proporciona espaços de convivência, de lazer e educação
que provoquem o interesse da juventude, os shoppings passam a ser a grande opção.
Criminalizado
como um dia fora a capoeira, o futebol, o samba e o rap, o funk moderno é tão
contraditório em seu conteúdo quanto o é a resistência em sua forma e estética
e nesse momento está servindo também para fazer aflorar o racismo enraizado na
alma das elites hipócritas – muito mais vinculadas aos valores da luxúria e
ostentação que a turma do funk.
Os
meninos e meninas do funk hoje afrontam os cara-pálidas com sua presença
física, com o tom de sua pele, com sua roupa, com seu som. Tudo isso, intencional
ou não, é profundamente político e contestador por sua própria natureza.”
Pablo
Ortellado - professor
na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH) e autor do livro “20
Centavos: A Luta Contra o Aumento” (Ed. Veneta)
“Ainda
permanece um pouco obscuro os motivos que levaram os jovens da periferia a
marcar encontros coletivos nos shoppings da cidade – queriam mesmo só se
divertir ou estariam também desafiando as barreiras econômicas e raciais que
dividem os que têm dos que não têm? Seja como for, a resposta dura e anticidadã
dos shopping centers e da Justiça conferiu um caráter social e político ao
fenômeno.
E é nessa
resposta jurídica que busca garantir aos shoppings o direito de escolher quem
pode frequentá-los que se formalizou e se evidenciou a segregação espacial
implícita que rege a nossa sociedade. Seja qual for a motivação, a repercussão
colocou em discussão a vergonhosa separação espacial que segrega os ricos dos
pobres e os brancos dos negros.”
Alexandre
Barbosa Pereira – pesquisador
do Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana (LabNAU) da USP e autor da
tese “A maior zoeira: experiências juvenis
na periferia de São Paulo”
“Os
rolezinhos demonstram a necessidade de lutarmos por espaços, físicos, sociais e
subjetivos, de representação, expressão e reconhecimento para todos. O
principal recado que os jovens dos rolezinhos nos dão é o de que querem o
direito a se divertir na cidade.”
Sejamos
realistas. Os rolezinhos não são ciranda de rodas nem contos infantis. É um movimento
de massa, consciente e justo, em que a juventude está incluída e faz
reivindicações. Não vamos resolvê-las com mobilização de tropas e repressões,
mas com emprego, ensino de qualidade, escolas e universidades.
Os nossos
governantes estão preparados para esta Revolução Cultural?