Intelectuais
analisam futuro governo de Bolsonaro
Agência Brasil
Eleitores comemoram
o resultado da eleição na Esplanada dos Ministérios
A Agência Brasil
conversou com alguns intelectuais que participaram da 42º Encontro Anual da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs),
encerrado na última sexta-feira em Caxambu, no Sul de Minas, para colher
expectativas quanto ao governo Jair Bolsonaro.
Por causa do
posicionamento histórico do deputado federal e ex-capitão do Exército, a favor
da ditadura cívico-militar (1964-1985) e de discursos polêmicos contra minorias
e opositores, alguns ouvidos durante a campanha eleitoral, os cientistas
sociais ponderam sobre possibilidades de retrocesso na democracia, mas lembram
que as liberdades estão estabelecidas no Brasil há 30 anos desde a aprovação da
Constituição Federal.
A historiadora e
antropóloga Lilia Schwarcz, professora da Universidade de São Paulo (USP),
avalia que Jair Bolsonaro faz parte da “onda conservadora” que já percorreu
outras partes do mundo. Ela considera que poderá haver “processos de luta” para
manutenção de direitos e garantias individuais, mas assinala que “alguns dos
direitos que conquistamos nestas três décadas estão consolidados”. Além dos
direitos conquistados, as minorias ocupam espaço mais amplo na sociedade. “Não
me parece que aqueles negros que conseguiram finalmente entrar na universidade
e que estão em postos na academia, e querem mais, vão perder seus lugares.
Assim como as mulheres, depois da conquista de alguns direitos feministas, não
vão voltar para dentro do lar”.
O cientista político
Rogério Arantes, também da USP, vê limitações para agenda conservadora.
“Imaginar que ele vai passar por cima de todas essas condições, que ele vai
passar por cima do Congresso Nacional, do Supremo [Tribunal Federal], da
Constituição não me parece plausível. Essas instituições têm a sua força,
consolidaram o seu papel na democracia brasileira e saberão resistir a qualquer
tentativa de autoritarismo desenfreado a partir do Executivo”.
Para a cientista
política Isabel Lustosa, pesquisadora titular da Casa de Rui Barbosa (RJ), “as
perspectivas não são otimistas”. Segundo ela, “promessas de campanha de ‘varrer
a oposição’ não é possível ver com otimismo, principalmente porque é difícil
identificar todos esses inimigos que ele diz que está vendo e apontando como
suscetíveis de serem varridos do mapa”. A pesquisadora pondera que alguns
posicionamentos de candidato foram revistos em campanha. “Ele promete
privatizar tudo, mas depois recua. É difícil de saber como vai ser essa
governabilidade”, diz a cientista política.
Capacidade de
conquistar
O cientista político Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), evita fazer previsão sobre como Jair Bolsonaro irá governar o país.
Como outros presidentes, as possibilidades de trabalho do Executivo dependem do
relacionamento com outros Poderes da República. Para ele, o novo governo “vai
ser resultado de três coisas: de uma tentativa de fazer algumas políticas de
direita a partir do Executivo; de uma capacidade ou incapacidade de conquistar
maioria no Congresso; e da agenda de controle do Poder Judiciário, que temos
que ver como vai reagir”.
O acadêmico enxerga
no Congresso alguma moderação a ser apresentada pelo novo governo. Na Câmara
dos Deputados, por exemplo, Avritzer calcula que Bolsonaro terá uma base
numerosa, “mas não muito significativa, entre 235 a 240 deputados”. Conforme a
lei, são necessários 308 votos na Câmara dos Deputados (dois terços do quórum)
para aprovar emendas constitucionais, antes de enviar ou após receber uma
proposta aprovada no Senado Federal. O contingente insuficiente de apoiantes
obrigará negociação ou composição com outras forças que não participaram de sua
campanha, como PSDB, MDB e parte do DEM. “Precisa ver como se organizaram as
forças de centro que foram derrotadas”.
Nesse sentido, tem
mais chance uma pauta como a redução da maioridade penal, para qual há algum
consenso à direita, do que uma proposta de Reforma da Previdência Social, não
unânime em nenhum estrato do Legislativo. “Essa é uma pauta difícil. Grande
parte da coalizão pró-Bolsonaro está no campo das Forças Armadas e das
carreiras de elite do Estado brasileiro. Vai ter resistência. De qualquer
forma, a gente não sabe que tipo de reforma ele vai propor”, assinala Avritzer.
Revezes em pautas econômicas podem ter outras consequências, alerta o cientista
político. “Se a reforma dele não satisfizer o mercado, rapidamente o governo
dele se desestabilizará. Não está claro que ele terá um período de graça de
seis meses. Pode ser até um período menor. Creio que nem o mercado financeiro e
nem uma parte do empresariado vão se contentar com reformas no campo moral”.
Riscos no Judiciário
Assim como o Congresso, a relação com o Judiciário vai depender de “cautela e
aceitação” mútua. Na perspectiva do cientista político, o Supremo Tribunal
Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mantiveram atitude de
“contenção” até a realização do segundo turno das eleições. Para além de
ameaças contra o Judiciário, desmentidas ou desautorizadas por Bolsonaro, e que
geram manifestações dos ministros das duas Cortes, restou na visão de Avritzer
“um claro passivo” que pode ou não ir ou não adiante em algum contencioso.
“De um lado o
processo legal em relação ao WhatsApp. De outro, ele fez uma declaração de
gastos pouco crível, gastos de R$ 1,7 milhão, do qual ele está tendo dificuldades
de comprovar esses valores”. Para o cientista político, são eventuais passivos
com o processo dos gastos de campanha da ex-presidente Dilma Rousseff (PT)
também foi. “No caso do governo ser desastroso, claro que está em aberto a
possibilidade de impugnação da chapa”, aponta.
Outro flanco de
estresse pode ser a retomada da tramitação da proposta original das dez medidas
de combate à corrupção, defendida pelo Ministério Público Federal. “Bolsonaro
vai depender de atores políticos tradicionais, do assim chamado ‘centrão’. Eles
seriam os que têm mais a perder com uma coisa como as dez medidas contra a
corrupção. Vai depender demais de quem for o próximo presidente da Câmara.
Sendo alguém próximo do presidenciável ou sendo alguém mais dependente, isso
pode gerar [propostas] alternativas. Vale lembrar que [o presidente da Câmara
dos Deputados] Rodrigo Maia [DEM-RJ] não apoiou as 10 medidas, motivo pelo qual
o projeto saiu da Casa emendado, o que desagradou alguns atores, como o chamado
‘grupo da Lava Jato’ ou chamado ‘PJ – Partido da Justiça’”, lembrou sem
desconsiderar “ser possível Bolsonaro pactuar com esse grupo da Lava Jato”.
Outro relacionamento
que será observado pelos analistas políticos é do governo Bolsonaro com os
militares. Para Leonardo Avritzer, apesar da origem do ex-capitão, do
companheiro de chapa, general Hamilton Mourão, e da presença na campanha de
nomes como o general Augusto Heleno, “ainda não dá para dizer claramente,
quanto os militares estarão de volta ao centro da política”. O cientista político
afirma que “vamos ter a volta dos militares” , mas não acredita que “a
corporação em si estará no centro do governo Jair Bolsonaro. Isso significaria
fazer uma aposta neste governo que é muito incerto, e significaria comprometer
a legitimidade do Exército com esse governo”. Para ele ,“não é claro que o
grupo mais profissional da corporação, o assim chamado Alto Comando, estará no
centro do governo”.