História de Luiz Ribeiro – EM.com.br
Entre Berilo e Virgem da Lapa, no Vale do Jequitinhonha, ponte de
madeira em pessimo estado é desafio extra no já crítico trecho de terra
da BR-367© Iris do Rosário/Divulgação
Populações que vivem longe dos grandes centros urbanos de Minas
Gerais vêm pagando um preço alto pelas condições de transporte de que
são reféns. E não se trata apenas do já pesado sofrimento de enfrentar
estradas em péssimas condições, tomadas pela poeira na seca, por
atoleiros na chuva e por buracos o ano inteiro, mas de custo financeiro
real. “Acho que o preço das mercadorias aqui é pelo menos 20% mais alto,
por causa da despesa a mais com o frete”, calcula Wagner Raimundo de
Souza, dono de um supermercado em Berilo, no Vale do Jequitinhonha.
A impressão do comerciante pode ser estendida a outros ramos da
economia e a outros municípios que sofrem com a elevação dos preços de
transporte devido às más condições de acesso. E demonstra que a péssima
situação das estradas, que resulta inclusive em acidentes fatais, como
mostrou série de reportagens do Estado de Minas, provoca também um
gargalo para a economia, dificultando o comércio e onerando quem, ao
fim, paga a conta: os consumidores.
Uma das principais causas do problema é a falta de investimentos em
infraestrutura para melhoria das estradas, afirma o presidente do
Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística de Minas
Gerais (Setcemg), Antônio Luís da Silva Júnior. “Há mais de 20 anos, não
temos nenhuma obra estruturante e de melhoria na nossa infraestrutura. A
nossa realidade é de estradas ruins, sem segurança, sem estrutura
adequada de armazenamento, sem locais adequados para descanso dos
motoristas, e de embarcadores que não respeitam as leis vigentes no
país”, afirma.
Conforme mostrou o EM, a última edição da pesquisa CNT Rodovias,
divulgada pela Confederação Nacional do Transporte no fim de 2023,
mostra que as estradas em piores condições no território nacional estão
em Minas Gerais, estado que tem a maior malha rodoviária do país. O
presidente do Setcemg salienta que a situação crítica das rodovias tem
impacto direto no setor de logística e transporte de cargas, com reflexo
em toda a cadeia produtiva.
“As condições de nossas estradas impactam, de certa forma, todo o
transporte rodoviário do país. Interferem na produtividade, na
segurança, no tempo de viagem, gerando custos com manutenção, e a
necessidade de um maior número de veículos e motoristas para atender à
demanda”, avalia.
Inflação na pista da “Rodovia da Morte”
Antônio Luís da Silva Júnior salienta que a questão da violência no
trânsito – exposta em série do EM que apontou as rodovias mais letais do
estado – também tem consequências nos custos e no dinamismo do setor de
transporte e logística. “Nos últimos anos, houve uma elevação de nossos
custos impactados pelos preços dos combustíveis, de peças e
sobremaneira pelos custos indiretos em função da insegurança jurídica e
dos acidentes, que aumentam nas estradas ruins”, descreve.
“Para ilustrar, os custos para se trafegar na BR-381 em direção a
Governador Valadares (trecho que inclui a chamada “Rodovia da Morte”)
sofrem impactos de até 50% em função da improdutividade e tempo de
viagem”, afirma o presidente do Sindicato das Empresas do Transporte de
Cargas.
O representante do setor ressalta que o tempo gasto a mais nos
deslocamentos de carretas e caminhões devido a deficiências na pista ou
acidentes acaba onerando o serviço e afetando o desempenho financeiro
das empresas. “No transporte de cargas, tempo é um recurso valioso e
escasso, tanto na operação quanto na logística. Ele impacta diretamente a
rentabilidade das empresas, em relação à produtividade e também ao
bem-estar dos colaboradores”, afirma.
Veículos de 1º mundo em trilhas malcuidadas
De acordo com o Setcemg, Minas Gerais conta com mais de 25 mil
empresas de transportes rodoviário de cargas. O setor gera no estado
mais de 1 milhão de empregos diretos e 3 milhões indiretos, de acordo
com o último levantamento da Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT).
Ainda segundo o sindicato, com o avanço do e-commerce, após a
pandemia de COVID-19, houve um aumento de 50% no volume das entregas de
cargas na comparação com o período pré-pandemia. “Esse tipo de comércio
movimenta muito mais a parte de entregas urbanas. Estimamos um
crescimento em torno de 25%, especialmente no transporte de cargas
fracionadas, os chamados ‘pacotinhos’”, informa Antônio Luís da Silva
Júnior.
O líder empresarial alega ainda que há um contraste entre a
modernização do setor e as condições de tráfego. “O transporte de carga
está bem estruturado, tem equipamentos e caminhões modernos,
treinamentos e está preparado para enfrentar as mais diversas situações.
Temos maquinário de primeiro mundo em estradas em péssimas condições de
trafegabilidade”, compara.
Minas fica para trás em competitividade
A preocupação com a alta de custos do transporte, com reflexos em
outros segmentos produtivos devido ao estado ruim das rodovias, é
reforçada pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas
Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe. “As estradas de Minas Gerais estão em
más condições, e especialmente a BR-381 está no pior cenário possível.
Isso gera um extraordinário aumento de custo logístico e perda de
competitividade da indústria mineira”, afirma.
“Nós esperamos um cronograma pesado de investimentos por parte do
governo federal na malha rodoviária do nosso estado. O governo do estado
também tem uma situação bastante complexa nas rodovias estaduais, mas
colocou um plano de investimento neste ano que vai passar de R$ 1,5
bilhão. Ajuda. Não é suficiente, mas é um norte”, avalia o presidente da
Fiemg.
“A condição precária das estradas atrapalha em várias perspectivas.
Primeiro, o custo do transporte aumenta. Com a ocorrência de acidente, o
tempo de duração da frota cai, pois, há uma depreciação maior. O custo
operacional de manutenção sobe. Além disso, os atrasos na entrega fazem
aumentar o custo das empresas. O caminhão e o caminhoneiro ficam mais
tempo na estrada. E o caminhão é um ativo de valor alto. Então, o custo
do frete aumenta sobremaneira”, avalia o dirigente da Federação das
Indústrias.
Caminhoneiro sofrem consequências na pele
Para além dos problemas para consumidores, comerciantes, empresas e a
sociedade em geral, as consequências da falta de estrutura adequada nas
rodovias e da precariedade do asfalto são sofridas por aqueles que
carregam a economia sobre rodas: os trabalhadores do transporte.
A reportagem do Estado de Minas ouviu testemunhos de vários deles na
BR-251, ligação entre Montes Claros e a Rodovia Rio-Bahia (BR-116),
passando por Salinas, no Norte de Minas – uma das estradas mais
movimentadas pelo transporte de cargas do país, mas que continua com
pistas simples, condições ruins de asfalto, curvas perigosas e pontes
estreitas, que representam riscos e prejuízos para os milhares de
motoristas que passam por ela diariamente, entre o Sul/Sudeste e o
Nordeste e Norte.
“Sempre tenho prejuízos com a manutenção do caminhão por causa da
condição ruim da estrada. Além do risco de acidente, a gente sofre com
rolamentos e molas quebrados e pneus estourados por causa dos buracos e
da trepidação. Tem ainda o desgaste constante do caminhão, que não
aguenta a buraqueira”, enumera o caminhoneiro Guilherme de Oliveira
Gouveia, natural de Louveira (SP).
Guilherme estava com o veículo parado em uma oficina no
estacionamento de um posto de combustíveis, às margens da BR-251, no
município de Montes Claros, e contou que teve prejuízo de cerca de R$ 4
mil com os danos ao seu caminhão. “Com a trepidação do asfalto, estourou
o cubo de uma roda traseira. Quebraram também o tambor de freio, lona
de freio e rolamentos”, disse.
O caminhoneiro transporta carregamentos de peixe de São Paulo para o
Nordeste, principalmente para Recife (PE). Por se tratar de uma carga
perecível, faz agendamento de horário para entrega. “Mas as viagens
sempre atrasam por causa das más condições do asfalto. Nesta estrada
(BR-251), se o motorista não andar devagar, destrói o caminhão. Além
disso, quase todo dia acontecem acidentes que interrompem o trânsito”,
lamenta.
Queixa semelhante é feita por José dos Anjos, outro trabalhador das
estradas. “Temos muitos prejuízos por causa da condição ruim da pista,
principalmente desgaste dos pneus. A gente nunca que consegue fazer as
viagens dentro do tempo previsto, porque tem de andar devagar”, disse o
caminhoneiro, que passou pela BR-251 transportando uma carga de coco de
Aracaju (SE), onde ele mora, com destino a São Paulo.
“Com o atraso da entrega, a pessoa que vai receber a carga também
perde vendas, por não receber o produto a tempo”, comentou. José dos
Anjos disse que, na viagem, ficou parado por mais de 10 horas durante a
noite na BR-251, perto de Salinas. “Um caminhão de óleo tombou na pista e
o trânsito foi interrompido, aguardando a retirada”, detalhou.
Também natural de Sergipe, da cidade Itabaiana, o motorista de
caminhão José Dílson, reclama que quase todas as vezes que percorre a
BR-251 precisa preparar o bolso. “Por conta da precariedade da estrada,
os prejuízos são constantes, principalmente com pneus estourados e com
os atrasos. A gente tem que andar devagar, de 30 a 40 quilômetros por
hora”.
De Curitiba, o caminhoneiro Juliano Barros reclama das condições da
malha rodoviária federal em Minas Gerais, por onde sempre passa, fazendo
transporte de cargas secas entre Paraná, São Paulo e Goiás. “Na Fernão
Dias (BR-381), pagamos caro pelo pedágio, mas o asfalto tem muita
trepidação e danifica os pneus”, exemplifica ele, que reclama também da
lentidão no trânsito. Disse que, quando chega pela Fernão Dias vindo de
São Paulo, demora de três a quatro horas para atravessar a Região
Metropolitana de BH (passando por Betim e Contagem) para alcançar a
BR-040 no sentido Brasília.
Supermercado em Berilo sofre impacto no movimento e nos preços dos produtos Arquivo pessoal© Fornecido por EM.com.br
Quem pode menos paga mais
O aumento do custo de vida em função do valor elevado do transporte
atinge em peso municípios mais afastados, com população de baixa renda.
Nesses lugares, o preço das mercadorias no comércio já sofre impacto da
elevação do frete, devido à maior distância dos maiores centros urbanos,
onde as mercadorias são produzidas. As más condições das estradas
pioram a situação.
É o caso de Berilo, no Vale do Jequitinhonha, onde a economia sofre
impacto da situação crítica da BR-367, que corta a região. Conforme
mostrou reportagem do Estado de Minas, depois de anos de promessas,
trechos da rodovia federal continuam sem pavimentação. Um deles é o
percurso de 26 quilômetros entre Berilo e Virgem da Lapa
O trecho, além dos percalços da poeira (no atual período de seca) e
da lama (na época das chuvas), tem três pontes de madeira, igualmente em
condições precárias, expondo motoristas de carros de passeio e de
cargas ao perigo.
No mesmo segmento, veículos precisam passar dentro do leito do
Córrego do Barbosa, porque a ponte que havia no local desabou há mais de
30 anos e nunca foi reconstruída.
Mais de 200 km para fugir da estrada de terra
Dono de Supermercado em Berilo, o comerciante Wagner Raimundo de
Souza afirma que caminhões que fazem o transporte de mercadorias
adquiridas na Ceasa-MG, em Belo Horizonte, fazem um desvio de cerca de
210 quilômetros para evitar a estrada de terra ao levar produtos até a
cidade do Vale do Jequitinhonha.
Nesse percurso, pegam a perigosa BR-381, de BH a Governador
Valadares, de onde seguem pela BR-116 até Itaobim. Lá, pegam o trecho
pavimentado (que se encontra cheio de buracos) do município até Araçuaí,
entram pela LMG-676 e passam por Francisco Badaró para, finalmente,
chegar a Berilo. Segundo ele, com isso a viagem da capital à cidade do
Jequitinhonha chega a 690 quilômetros. Sem o “desvio”, passando pelo
“percurso normal” da BR-367, seriam 480 quilômetros.
O comerciante afirma que o aumento de preço em função das
dificuldades do transporte afeta todos os produtos que comercializa,
sobretudo, cereais como arroz e feijão e outros itens da cesta básica,
como açúcar e óleo de soja, “por se tratar de produtos mais pesados”.
Pontes de madeira e desabastecimento
A professora aposentada Íris do Rosário Amaral Eleutério, moradora de
Berilo, há anos lidera o Movimento Filhos do Vale, na luta pela
pavimentação da BR-367 e por obras de concreto em substituição às velhas
e precárias pontes da estrada.
Uma delas é a ponte sobre o Rio Araçuaí, situada na saída da cidade
para Virgem da Lapa. Em setembro do ano passado, um motorista morreu
depois que o caminhão que dirigia despencou de cima da travessia de
madeira, caindo da altura de 12 metros no leito. Iris do Rosário afirma
que a situação precária da estrutura contribuiu para a tragédia.
Após o desastre, a ponte de madeira passou por reforma. “Mas, daqui a
uns tempos, vai estragar de novo”, diz Iris, cobrando a construção de
uma travessia de concreto sobre o Rio Araçuaí.
A líder do Movimento Filhos do Vale disse que a situação do trecho
não pavimentado da BR-367, acaba provocando falta de abastecimento no
comércio de Berilo. “Devido às más condições da estrada de terra, os
fornecedores não entregam produtos como roupas e sapatos na cidade”,
afirma.
Ela argumenta que ainda por causa da “poeira e da lama” e da
insegurança na travessia das pontes de madeira, moradores de comunidades
rurais e de outros municípios evitam viajar para Berilo. “Com isso, o
comércio também perde, pois fica sem ter para quem vender”, observa a
professora aposentada.
Os prejuízos por conta das condições da BR-367 são sentidos também
pelos comerciantes de Virgem da Lapa (na mesma região), como testemunha
Jeferson Braz Alves Barroso, dono de uma loja de eletrodomésticos na
cidade, da qual também é vice-prefeito. “Transportadoras evitam vir
aqui, por causa da precariedade da estrada. Com isso, o comércio de
Virgem da Lapa perde muito”, afirma.
Ele lembra que mesmo o trecho pavimentado da BR-367 entre Virgem da
Lapa, Araçuaí, Itinga e Itaobim está muito danificado. “Entre Araçuaí e
Itaobim, o asfalto praticamente acabou”, disse. “Turistas que viagem de
Minas para as praias de Porto Seguro (BA) não querem mais passa por
aqui. Linhas de ônibus que passavam também foram desativadas, devido à
falta de condições da estrada. Com isso, as perdas são muito grandes,
tanto para restaurantes e churrascarias quanto para o comércio em
geral”, reclama.
Até o remédio custa a chegar
O vice-prefeito acrescenta que as dificuldades de acesso,
principalmente em períodos de chuvas, impedem moradores de comunidades
rurais de se deslocar até a sede do município para sacar pagamentos de
aposentadorias e cuidar de outros afazeres. “As pessoas da zona rural
têm dificuldades para ir à cidade até para fazer feira. Dessa forma, a
economia do município fica para trás”, avalia o empresário e
vice-prefeito.
A reclamação é reforçada por Clésio Kleber Prates Murta, dono de uma
farmácia em Virgem da Lapa. “Com a dificuldade para passar pela estrada
de terra, muita gente deixa de vir à cidade. E se as pessoas não vêm,
deixam de comprar na loja, na farmácia ou na lanchonete”, declara
Kleber, que afirma também perder vendas por causa do atraso na chegada
de medicamentos. Foi o que ocorreu há pouco tempo, com o roubo de um
carregamento que saiu de Belo Horizonte com destino ao Vale do
Jequitinhonha e foi interceptado por ladrões na BR-116.