quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

DÉCADA DILMA-BOLSONARO SÃO IGUAIS

 

De Dilma a Bolsonaro

As questões básicas não resolvidas do País permanecem as mesmas

William Waack, O Estado de S.Paulo

 

 

A década que começou com Dilma e vai terminando com Bolsonaro tem uma extraordinária constância. Nossas mazelas continuam praticamente as mesmas. Apenas mais escancaradas por uma pandemia que expôs (e também agravou) problemas que já existiam. Nesse sentido, não se pode falar de uma década que começa e termina com sinais trocados. A incompetência governamental e nossa complacência em sua essência seguem as mesmas.

Sim, Dilma foi a vítima da tortura praticada por um regime de exceção, que Bolsonaro teima em exaltar. Por mais abjetas e fracassadas as ideias que ela defendia, não há nada que justifique tortura especialmente por órgãos de Estado, como aconteceu na ditadura militar brasileira. É um aspecto que o capitão Bolsonaro ignora e que exércitos profissionais de democracias abertas, como na França (na Argélia), Estados Unidos (por último, no Iraque) e Israel (na Intifada de 1987) reconhecem como destruidor da moral da força armada e se empenham em condenar.

 

A sociedade brasileira segue exibindo a mesma tolerância em relação a pragas nacionais há tempos estabelecidas: injustiça social, miséria disseminada, violência endêmica, corrupção e incompetência governamental. São características com as quais se podia descrever o Brasil de 10 ou 20 anos atrás, e a onda disruptiva de 2018 não ofereceu resultados até aqui convincentes para alterar fundamentalmente esse quadro. As comparações internacionais nada proporcionam para nos orgulharmos em termos de nível de desenvolvimento humano e, especialmente, educação, que continua sendo entendida no Brasil como ferramenta e não como valor em si.

Nas comparações mais recentes estamos capengando para proteger nossa população da covid-19. Os que primeiro começaram a vacinar estão em todas as regiões do mundo. Nessa lista figuram ricos e emergentes, países gigantes e pequenos, regimes abertos, democracias liberais, monarquias absolutistas, a ditadura comunista da China, variadas etnias, as principais denominações religiosas (entre os latino-americanos, governos de esquerda e de direita).

O atraso brasileiro na questão da vacinação é uma vitrine expondo nossos limites estruturais. O sistema de governo, possivelmente o pior do mundo, mantém Executivo e Legislativo em choque constante, agravado pela insegurança jurídica emanada de um Judiciário que não foi eleito para governar, mas está governando. O podre sistema de representação política é fator preponderante para entender a falta de lideranças abrangentes e enraizadas – um grande deficit em situações de crise econômica e sanitária que se reforçam mutuamente. A força dos regionalismos e o egoísmo de suas respectivas elites – não só as geográficas, mas as de diversos segmentos sociais e econômicos nos fazem assistir à concorrência dos entes da federação.

Há aspectos peculiares na incompetência demonstrada pelo atual governo no trato da pandemia, mas incompetência em várias questões, agudas ou não, causadas pela “sabedoria” de chefes de Executivo (só lembrar o que Dilma fez com o setor elétrico, por exemplo) tem sido recorrentes. No plano mais abrangente, para um País que cultiva a imagem de ser dono de um futuro brilhante, estamos sendo extraordinariamente incompetentes em chegar lá. Nossa distância nesses dez anos em relação às economias mais avançadas aumentou – e estamos há mais tempo do que isso estagnados em matéria de produtividade e competitividade internacionais.

É confortável apontar o dedo acusador para este ou aquele governo do começo ou do fim da década. O fato é que nós os colocamos lá.

*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN

 

RETROSPECTIVA DO ANO DE 2020

 

Retrospectiva: Relembre os principais fatos no mundo em 2020

Derrota de Donald Trump, normalização das relações entre Israel e países árabes, movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam): a pandemia de covid-19 não foi o único evento marcante no mundo em 2020

Redação, O Estado de S.Paulo

 

 

PARIS - A derrota de Donald Trump, a normalização das relações entre Israel e países árabes, o movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam): a pandemia de covid-19 não foi o único evento marcante no mundo em 2020. Relembre os principais eventos:

Escalada no Oriente Médio

Em 3 de janeiro, o poderoso general Qassim Suleimani, arquiteto da estratégia iraniana no Oriente Médio, é morto no ataque de um drone americano em Bagdá, após a invasão da embaixada americana por manifestantes pró-iranianos na capital iraquiana.

No dia 8, em represália, o Irã dispara mísseis contra bases onde servem militares americanos no Iraque. Um avião civil ucraniano é derrubado "por engano" algumas horas depois pelo Irã, deixando 176 mortos.

 

Resgate de corpos na área do acidente em Shahedshahr, sudoeste da capital iraniana, Teerã   Foto: Ebrahim Noroozi/AP

Crise sanitária

Em 11 de janeiro, menos de duas semanas após o aparecimento de uma pneumonia misteriosa na China, Pequim anuncia a primeira morte oficialmente registrada por uma doença que seria posteriormente denominada de covid-19, posteriormente qualificada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em abril, metade da humanidade se confinava para tentar frear sua propagação. Vários setores econômicos afetados demitem, governos anunciam planos de recuperação maciços. Segundo o Banco Mundial, até 115 milhões de pessoas foram jogadas na pobreza extrema.

Em outubro, uma segunda onda reinicia os confinamentos na Europa. Em dezembro, o Reino Unido torna-se o primeiro país do Ocidente a iniciar uma campanha de vacinação, após meses de pesquisas para desenvolver o fármaco.

Poucos dias antes do Natal, vários países adotam restrições, incluindo confinamentos. A descoberta de uma nova cepa do vírus, possivelmente mais contagiosa, leva diversas nações a proibir os voos com o Reino Unido.

A pandemia deixa mais de 1,7 milhão de mortos. Com mais de 190 mil mortos e quase 7 milhões de contágios, o Brasil é o segundo país do mundo mais afetado, atrás dos Estados Unidos.


Na província de Wuhan, epicentro do coronavírus, funcionários médicos inspecionam equipamento por sinais do vírus Foto: China Daily via REUTERS

Brexit se concretiza

Na noite de 31 de janeiro, a saída do Reino Unido da União Europeia, decidida pelos britânicos em um referendo em 2016, se torna efetiva após três adiamentos. Este primeiro divórcio europeu põe fim a 47 anos de vida comum.

Em 24 de dezembro, Londres e Bruxelas alcançam um acordo comercial, negociado durante mais de 10 meses, uma semana antes do fim do período de transição.


Manifestantes favoráveis e contrários ao Brexit se manifestam na frente do Parlamento britânico na véspera da votação do acordo Foto: EFE/Will Oliver

Acordo EUA-Taleban

Em 29 de fevereiro, os Estados Unidos e os taleban afegãos assinam um acordo histórico em Doha, que abre a via para a saída de tropas americanas, após duas décadas de guerra.

O Pentágono anuncia a retirada de cerca de 2 mil militares americanos até 15 de janeiro de 2021. Ficarão 2,5 mil.

Homicídio de George Floyd

Em 25 de maio, George Floyd, um cidadão afro-americano, morre asfixiado em Mineápolis, após um policial branco pressionar seu joelho sobre seu pescoço por vários minutos.

O vídeo em que Floyd aparece dizendo "não consigo respirar" viraliza, dando início a manifestações pontuadas pela violência, de uma amplitude inédita desde os anos 60, pedindo a reforma da polícia e o fim das desigualdades raciais sob o lema "Black Lives Matter" (Vidas Negras Importam).

Os protestos se espalham pelo mundo.

Protestos foram registrados em todos os Estados americanos Foto: Mark Malela/Getty Images/AFP

China-EUA: cheiro de guerra fria

Em maio, o presidente americano, Donald Trump acusa a China de ter provocado um "massacre em massa mundial" com o coronavírus, surgido em seu território. Ao sancionar uma lei sobre a segurança nacional em Hong Kong, Washington evoca o regime econômico preferencial do território.

Em julho, os Estados Unidos infligem sanções a vários dirigentes da região de Xinjiang (noroeste), acusando Pequim de manter em reclusão ao menos um milhão de muçulmanos da minoria uigur. A China desmente, evocando centros de formação profissional.

No fim de julho, tendo como pano de fundo acusações de espionagem, Washington fecha um consulado da China em solo americano, e a medida é seguida por Pequim.

Em agosto, a ByteDance, proprietária do aplicativo de vídeos TikTok, é obrigada a ceder seus ativos americanos. As discussões entre Washington e a TikTok continuam.

Em dezembro, Washington anuncia que não concederá vistos a dirigentes do Partido Comunista Chinê (PCC) suspeitos de cometer violações dos direitos humanos. Pequim ameaça adotar represálias.

China e o poder sobre Hong Kong e manifestações na Tailândia

No fim de junho, um ano após manifestações históricas, uma lei polêmica sobre segurança nacional é promulgada em Hong Kong, embora se suponha que desfrute de uma semi-autonomia até 2047, com liberdades inexistentes na China continental.

Uma resolução do Parlamento chinês permite destituir qualquer legislador considerado uma ameaça.

Em dezembro, três célebres militantes pró-democracia, entre eles Joshua Wong, são condenados a penas de prisão por seu envolvimento nas manifestações. O magnata pró-democracia Jimmy Lai, processado por fraude, é colocado em prisão provisória.

Na Tailândia, desde julho dezenas de milhares de manifestantes pró-democracia pedem a renúncia do primeiro-ministro, Prayut Chan-O-Cha, mudanças na Constituição e reformas profundas da monarquia.

Explosão em Beirute

Em 4 de agosto, uma gigantesca explosão deixa mais de 200 mortos e pelo menos 6.500 feridos, destruindo o Porto de Beirute e causando estragos em quarteirões inteiros da capital libanesa.

A deflagração, provocada por um incêndio em um entreposto onde eram armazenadas toneladas de nitrato de amônio sem precaução, joga por terra uma economia já em apuros.

Crise na Bielo-Rússia


Manifestantes fazem marcha contra o resultado da eleição presidencial da Bielo-Rússia  Foto: Reuters

Em 9 de agosto, o presidente da Bielo-Rússia, Alexander Lukashenko, é reeleito com folga após uma votação considerada fraudulenta pela oposição ocidental.

Por quase quatro meses, dezenas de milhares de manifestantes pedem sua saída a cada domingo em Minsk. Os líderes da oposição são presos ou forçados ao exílio. Ao menos quatro pessoas são mortas. Nas últimas semanas, o movimento perde força.

Em dezembro, a líder opositora Svetlana Tikhanovskaya recebe o prêmio Sakharov no Parlamento Europeu, enquanto a UE amplia as sanções contra Minsk.

Golpe de Estado no Mali

Em 18 de outubro, o presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, é deposto por um golpe militar após vários meses de crise política.

O golpe é condenado pela comunidade internacional e gera sanções. As mesmas são suspensas em outubro, após a nomeação de um governo de transição, que deve ceder o poder aos civis ao final de 18 meses.

Caso Navalny

Em 20 de agosto, o principal opositor russo, Alexei Navalni, é hospitalizado após sofrer um sério mal-estar, antes de ser autorizado no dia 22 a se tratar com urgência na Alemanha. Vários exames indicam que ele foi envenenado por um agente neurotóxico do tipo Novitchok, uma substância desenvolvida por especialistas soviéticos com fins militares.

O opositor acusa o presidente russo, Vladimir Putin, de estar por trás de seu envenenamento,. Moscou rejeita a acusação. A União Europeia adota sanções contra várias pessoas do entorno do presidente russo.

Incêndios e furacões

Em 9 de setembro, São Francisco e outras regiões do oeste dos Estados Unidos acordaram com um céu alaranjado, digno de uma cena apocalíptica, por causa da fumaça dos incêndios que devastam a Califórnia. Em novembro, dois furacões devastam a América Central, deixando mais de 200 mortos e milhões de dólares em danos.

Na Austrália, em plena onda de calor, gigantescos incêndios destroem 40% das florestas da ilha Fraser, a maior ilha de areia do mundo, considerada um patrimônio mundial pela Unesco.

E regiões inteiras da Argentina, do Paraguai, da Bolívia e do Brasil sofreram com incêndios devastadores.

De acordo com dados provisórios da Organização Meteorológica Mundial (OMM), 2020 será o segundo ano mais quente já registrado, depois de 2016.

Normalização com Israel

Em 15 de setembro, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein assinam acordos de normalização com Israel na Casa Branca. Os palestinos denunciam uma traição.

Sudão e Marrocos também normalizam as relações com Israel, em 23 de outubro e 10 de dezembro, respectivamente.

Conflito em Nagorno-Karabakh

Em 27 de setembro, após semanas de retórica beligerante, têm início combates entre as forças do Azerbaijão e as de Nagorno-Karabakh, um enclave de maioria armênia, disputado há décadas.

Erevan acusa Ancara de enviar mercenários da Síria para apoiar as forças azerbaijanas. Baku afirma que armênios originários da diáspora combatem em Karabakh.

Após seis semanas de combates, que deixaram mais de 5.000 mortos, um cessar-fogo é assinado em novembro sob a égide do Kremlin. O mesmo consagra a vitória do Azerbaijão e concede importantes ganhos territoriais.

Atentados na França e na Áustria

Em 16 de outubro, o professor de história Samuel Paty é decapitado na região parisiense por um islamita radicalizado, após ter mostrado caricaturas do profeta Maomé a seus alunos durante uma aula sobre liberdade de expressão.

Após o apoio expresso do chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, ao direito à caricatura, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, inicia uma campanha de boicote a produtos franceses.

Em 29 de outubro, três fiéis - entre eles uma brasileira - são mortos a facadas na Basília de Nice, no sudeste da França, por um tunisiano que havia chegado recentemente à Europa.

Em 2 de novembro, quatro pessoas são mortas em um atentado islamita em Viena, o primeiro desta proporção a visar a Áustria.

Constituinte no Chile

Em 25 de outubro, os chilenos optaram por grande maioria por mudar Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e redigir uma nova, com uma Assembleia Constituinte, após os grandes protestos que começaram em 2019.

Trump derrotado, Biden eleito

 

O democrata Joe Biden foi vice-presidente de Barack Obama  Foto: Angela Weiss/AFP

Em 3 de novembro, os americanos votaram para escolher entre o presidente em fim de mandato, o republicano Donald Trump, candidato à reeleição, e o democrata Joe Biden, em um país extremamente dividido.

Após quatro dias de tensas expectativas, o ex-vice-presidente de Barack Obama é declarado vencedor. Donald Trump, que alega, sem apresentar provas, que as eleições foram fraudadas, se recusa a admitir a derrota.

Em 14 de dezembro, o colégio eleitoral ratifica a vitória do candidato democrata, com 306 votos, contra 232 para o republicano

Três presidentes em uma semana no Peru

Em 9 de novembro, o Congresso do Peru destitui o presidente Martín Vizcarra, que substituído pelo presidente da Câmara, Manuel Merino. A decisão provoca uma avalanche de protestos sociais, que deixam dois mortos e centenas de feridos.

Merino renuncia cinco dias depois de tomar posse e o Congresso escolhe como sucessor o centrista Francisco Sagasti.

Etiópia: conflito no Tigré

Em 4 de novembro, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, prêmio Nobel da Paz, anuncia uma operação militar contra as autoridades da região do Tigré (norte), que ele acusa de terem atacado duas bases do exército federal.

Os ataques foram inventados para justificar a intervenção, afirmam as autoridades regionais da Frente de Libertação dos Povos do Tigré (TPLF). Este partido foi marginalizado com a chegada ao poder de Abiy, após ter controlado a vida política etíope por quase 30 anos. Dezenas de milhares de etíopes fogem dos combates rumo ao Sudão.

Morre Diego Maradona

Em 25 de novembro morre o astro do futebol Diego Armando Maradona, aos 60 anos, vítima de uma parada cardíaca em sua residência na Argentina, notícia que provoca uma comoção ao redor do mundo. / AFP