terça-feira, 1 de dezembro de 2020

TRANSPORTE PÚBLICO PROBLEMA PARA OS PREFEITOS ELEITOS

 

A 'bomba-relógio' do transporte público que prefeitos eleitos terão em 2021

 

BBCNEWS

O setor de ônibus urbanos será um desafio para os prefeitos eleitos logo no início de seus mandatos, em 2021.

 


© Reuters Setor de ônibus urbanos será um desafio para os prefeitos eleitos logo no início de seus mandatos

Com prejuízos acumulados de R$ 7,18 bilhões até outubro e demanda ainda reduzida a patamar entre 40% e 60% da média histórica nas capitais e regiões metropolitanas — após chegar a 20% nas primeiras semanas da crise do coronavírus —, o setor deve buscar junto ao poder público o reequilíbrio de contratos na rodada de reajustes tarifários que tem início em janeiro.

O provável aumento de tarifas deve acontecer num momento em que os brasileiros estarão com o orçamento apertado pelo fim do auxílio emergencial, desemprego recorde e inflação em alta.

Em 2013, também primeiro ano de mandato de prefeitos, o reajuste de passagens de ônibus foi o estopim para a onda de protestos que combaliu a popularidade da classe política e criou o caldo de cultura para o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) dois anos depois.

Em 2021, a pandemia, a ressaca de anos de muitos protestos de rua e a popularidade ainda alta do governo Jair Bolsonaro (sem partido) devem ser entraves a mobilizações massivas como as de 2013, avaliam analistas políticos.

Mas, para o setor de ônibus e especialistas em transporte público, a pandemia agravou o quadro de desequilíbrio financeiro do setor e deveria ser usada como uma oportunidade para que o modelo de geração de receitas baseado principalmente no pagamento de tarifas pelos usuários seja rediscutido.

Perda histórica de passageiros

"O setor já vinha desequilibrado antes da pandemia, com uma queda acentuada do número de passageiros transportados nos últimos cinco anos, da ordem de 26%", destaca Otávio Cunha, presidente-executivo da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos).

Segundo o representante do setor, essa perda de usuários nos últimos anos se deveu a fatores como a forte alta da inflação durante o governo Dilma — com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) superando os 10% em 2015 —, que resultou em reajustes tarifários elevados; o aumento acentuado do desemprego em meio à crise econômica iniciada em 2014; além da perda de velocidade dos ônibus devido ao aumento dos congestionamentos.

Um outro fator para a perda de passageiros foi o avanço do transporte por aplicativos.

"O transporte sob demanda começou a concorrer com o transporte público nas pequenas distâncias, exatamente nas áreas onde há grande concentração de demanda", diz Cunha.

"Essas viagens curtas nas regiões centrais ajudavam a equilibrar a rede de transporte público, porque as linhas de grandes distâncias — aquelas vindas das periferias — normalmente são deficitárias, mas são socialmente necessárias."

Pandemia

Em meio ao quadro de perda estrutural de passageiros e desequilíbrio financeiro do sistema, veio a pandemia. E, com ela, uma queda inicial em março de 80% das viagens realizadas, que vem se atenuando ao longo dos meses.

No entanto, entre setembro e outubro, a média de redução das viagens ainda estava entre 50% e 60% nas capitais e regiões metropolitanas, segundo dados da NTU. Ao mesmo tempo, o setor teve que manter a oferta de ônibus elevada, para garantir o cumprimento das exigências de distanciamento social impostas pelas normas sanitárias.

Injeção de recursos será fundamental para empresas de ônibus pagarem o 13º dos funcionários neste ano de pandemia© Reuters Injeção de recursos será fundamental para empresas de ônibus pagarem o 13º dos funcionários neste ano de pandemia

Neste cenário, até outubro, 13 operadoras de ônibus já interromperam atividades no país, seja através de suspensão temporária ou de encerramento permanente de operações. Em quatro casos, o poder público precisou assumir a operação dos serviços. E, apenas entre as empresas associadas à NTU, quase 6 mil postos de trabalho foram fechados.

Uma ajuda de R$ 4 bilhões prometida pelo governo ao setor em maio foi aprovada pelo Senado apenas em meados de novembro (PL 3.364/2020) e ainda aguarda sanção presidencial.

Segundo a NTU, a injeção de recursos será fundamental para as empresas pagarem o 13º dos funcionários este ano, do contrário, o pagamento poderá ser postergado para 2021, o que tem potencial para gerar paralisações de trabalhadores.

O setor não vê perspectivas de recuperar sua demanda histórica devido a diversos fatores: a exigência de menor lotação dos ônibus; a redução de circulação imposta pela pandemia; a perspectiva de uma atividade econômica deprimida ainda por um período longo; e a adoção do home office de maneira permanente por diversas empresas.

"Temos certeza absoluta de que isso não volta mais", diz Cunha. "O setor de transporte público terá que conviver com uma demanda mais rarefeita."

Reestruturação

Frente a esse quadro, os operadores de ônibus urbanos trabalham para enviar ao governo federal ainda em dezembro uma sugestão de reestruturação do transporte público no pós-pandemia.

"Os ônibus hoje são financiados por passageiro transportado, com algumas exceções, caso de São Paulo e Brasília, em que o setor é em parte subsidiado pelo poder público", observa Cunha, destacando ainda que a taxa de ocupação considerada pelos órgãos públicos para cálculo da tarifa é de seis passageiros por metro quadrado no horário de pico, o que não poderá se manter na nova realidade.

Assim, a NTU deve propor ao governo que a remuneração do setor seja feita pelo custo de operação, com o risco de demanda ficando a cargo do poder público, tendo como contrapartida o cumprimento de metas de qualidade pelas empresas.

A entidade reivindica ainda a desoneração da cadeia produtiva do transporte; que o poder público arque com as gratuidades para idosos e estudantes, hoje rateadas entre os usuários que pagam a tarifa cheia na maior parte do país; e que o financiamento do setor possa contar com fontes de recursos extra tarifárias, como um aumento da taxação para usuários de transporte individual.

Automóvel deve ajudar a pagar a conta

Para Luis Antonio Lindau, diretor de cidades do instituto de pesquisas WRI Brasil e um dos fundadores da Anpet (Associação de Pesquisa e Ensino em Transportes), esse último ponto é o mais importante para um redesenho do setor de ônibus urbanos no pós-pandemia.

"Num cenário em que poucas são as cidades que destinam subsídios ao transporte coletivo, urge começar a discutir as externalidades negativas do automóvel privado, começar a cobrá-los e transferir isso para um fundo que possa ajudar a remunerar o transporte coletivo."

O especialista destaca que as grandes cidades do Norte global têm nas receitas extra tarifárias o principal componente de geração de recursos, diferentemente do Brasil.

"Não existe país no mundo desenvolvido que é tão permissivo com o automóvel", diz o especialista. "Como no passado se criou a tarifa única, em que os passageiros de linha curta acabam pagando pelos passageiros de linha longa, agora é preciso encontrar um novo equilíbrio para o financiamento do transporte público, chamando novos atores para a mesa, incluindo o automóvel nessa captação de receitas extra tarifárias."

Bomba-relógio para 2021

Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, avalia, no entanto, que o ambiente político é desfavorável para as mudanças regulatórias sugeridas pelos especialistas. "Essa não é uma agenda prioritária para o governo em 2021, cuja pauta deve ser dominada pelas questões fiscais", diz o analista.

Assim, a bomba deve mesmo cair no colo dos prefeitos eleitos. Mas Cortez não acredita que uma possível onda de reajustes tarifários resulte em protestos massivos como os de 2013.

"Ainda que exista um descontentamento forte, as restrições impostas pela pandemia devem evitar mobilizações mais significativas, especialmente se seguirmos na tendência atual de aumento de casos e internações", afirma, lembrando ainda que, em 2013, os protestos foram inflados pelo descontentamento com os gastos públicos para a realização da Copa do Mundo no Brasil e pelo início de uma rejeição ao governo petista.

Em São Paulo, berço dos protestos naquele ano, o prefeito Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição, disse em entrevista no programa Roda Viva (em 23/11) que não deverá ser necessário um reajuste das tarifas de ônibus no município em 2021, devido à inflação baixa — até outubro, o IPCA acumulava alta de 3,92% em 12 meses e a expectativa do mercado é de que o indicador encerre o ano com avanço de 3,45%, segundo a mediana do boletim Focus, do Banco Central.

Os subsídios ao setor esse ano devem, no entanto, chegar a R$ 3,1 bilhões, superando em R$ 850 milhões o orçamento previsto, conforme nota técnica do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

Segundo Fabio Romão, analista de inflação da LCA Consultores, cada 10 centavos de aumento nas tarifas de ônibus de São Paulo gera um incremento de 0,015 ponto percentual no IPCA, índice oficial de inflação do país. Quanto ao Rio de Janeiro, o acréscimo é de 0,006 ponto.

Para 2021, Romão espera uma alta de 3,6% do IPCA, considerando como hipótese aumentos nos ônibus urbanos de São Paulo (+4,7%) e do Rio de Janeiro (+6,2%).

Outras casas de análise já veem a inflação até mais alta no ano que vem. A MB Associados, por exemplo, projeta avanço de 3,8% do IPCA em 2021, enquanto o Credit Suisse já fala em uma inflação em alta de 4% no próximo ano, acima da meta de 3,75% estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).

 

 

NOVO CENÁRIO POLÍTICO EM 2020

 

Um novo e positivo cenário

 

Notas & Informações – Jornal Estadão

 


 

O resultado das eleições de 2020 sinaliza uma mudança significativa do eleitorado em relação às escolhas feitas em 2018. Ao rechaçar extremismos ideológicos e optar por candidaturas de centro, o eleitor deu uma eloquente manifestação de confiança na política. Naturalmente, é ainda muito cedo para traçar prognósticos para o cenário eleitoral de 2022 ou para listar os principais candidatos da próxima disputa presidencial. A importância do pleito de 2020 não reside em suas eventuais consequências sobre as eleições de 2022. Tanto no primeiro turno como no segundo, o que se destacou – e é extremamente positivo para a democracia – foi a maturidade do eleitor.

O resultado das eleições de 2020 revela, de forma contundente, um eleitor capaz de repensar escolhas políticas feitas em um passado recente, em especial, as propostas do bolsonarismo e as do lulopetismo. O eleitorado mostrou-se inclinado a superar a visão da política como terra arrasada pela corrupção, que, de tão difundida por integrantes da Lava Jato, chegou a ganhar nome correspondente: o lavajatismo.

Aos que anunciaram, depois das eleições de 2018, a morte da chamada política tradicional, o pleito deste ano mostrou que velhos partidos políticos podem ainda ter especial força e representação. Quando são capazes de apresentar candidatos e propostas consistentes, legendas há muito conhecidas continuam tendo apelo entre os eleitores. Basta ver que os cinco maiores partidos, em porcentual do eleitorado governado por seus prefeitos, foram PSDB, MDB, DEM, PSD e Progressistas (ex-PP).

O PSDB elegeu 533 prefeitos, que governarão cerca de 17% do eleitorado a partir de 2021. Em seguida está o MDB, cujos prefeitos eleitos governarão cerca de 13% da população. Além de ser campeã em número de prefeituras conquistadas (803 ao todo), a legenda conquistou neste ano cinco capitais: Porto Alegre, Goiânia, Teresina, Boa Vista e Cuiabá.

Outro destaque das eleições de 2020 foi o DEM, partido com maior crescimento em número de prefeitos eleitos. Em 2016, conquistou 277 prefeituras. Agora, foram 476, a representar cerca de 12% do eleitorado. A principal vitória do antigo PFL ocorreu na cidade do Rio de Janeiro. No segundo turno, o ex-prefeito Eduardo Paes ganhou do prefeito Marcelo Crivella, que tentava a reeleição com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. O DEM ganhou ainda as prefeituras de Salvador, Curitiba e Florianópolis.

O PSD e Progressistas também cresceram nas eleições deste ano. Junto ao DEM, os três partidos devem governar quase um terço do eleitorado (32%). Em 2016, as prefeituras conquistadas pelas três legendas representavam cerca de 17% do eleitorado.

Esses resultados contrastam com os números do bolsonarismo e do lulopetismo. Ao longo da campanha eleitoral, o presidente Bolsonaro pediu voto para 16 candidatos a prefeito. Apenas quatro se elegeram – Tião Bocalom em Rio Branco (AC), Roberto Naves em Anápolis (GO), Gustavo Nunes em Ipatinga (MG) e Mão Santa em Parnaíba (PI). O PSL elegeu 92 prefeitos (1,3% do eleitorado).

Além da rejeição ao bolsonarismo, houve também o inédito sumiço do PT na gestão das capitais. A partir do ano que vem, nenhuma das 27 capitais do País será governada por um prefeito petista, fato que nunca tinha ocorrido desde a redemocratização. Nos próximos quatro anos, os prefeitos eleitos do PT deverão governar cerca de 3% do eleitorado. Trata-se de uma situação muito diferente da que se viu anos atrás. Nas eleições de 2012, por exemplo, o partido de Lula foi o campeão no ranking de prefeitos por porcentual de eleitorado, com mais de 19%.

As eleições de 2020 confirmam, assim, que para superar um extremismo ideológico não é preciso inventar outro extremo. Não é necessário o bolsonarismo para vencer o lulopetismo ou vice-versa. A política pode e deve oferecer outras soluções, mais viáveis e mais responsáveis. E, como se viu nos resultados dos dois turnos, o eleitor está atento a essas outras opções. Há amplo espaço para a política.