sábado, 31 de outubro de 2020

A DÍVIDA PÚBLICA ULTRAPASSA 90% DO PIB BRASILEIRO

 

Juros, dólar e inflação palaciana

O presidente é o sujeito oculto de pressões inflacionárias e do agravamento do risco fiscal. O Banco Central só pode alertar.

 

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

 

 

O presidente Jair Bolsonaro deve ser grato – se for capaz disso – ao Banco Central (BC) pelo esforço para evitar uma crise mais grave. Qualquer aumento de juros, neste momento, seria perigoso. Complicaria a gestão da enorme dívida pública, muito pesada para uma economia emergente. Além disso, poderia prejudicar a retomada, já insegura, da atividade econômica. Apesar da reação, ainda se estima para 2020 um Produto Interno Bruto (PIB) entre 4% e 5% menor que o do ano passado, com retração na faixa de 4% a 5%. Mais de um ano será necessário, pelos cálculos correntes, para a economia brasileira retomar o nível de produção de 2019.

Nem isso será possível, no entanto, se o crédito ficar mais caro e se a insegurança dominar os mercados. O setor público devia cerca de R$ 6,4 trilhões, ou 88,8% do PIB, no fechamento de agosto. A relação estará em torno de 100% no fim do ano e deverá crescer nos próximos três anos. Só com muito cuidado e muita responsabilidade será possível controlar essa expansão e manter a confiança na ação oficial.

Não há risco imediato de insolvência, mas essa palavra já apareceu, em linguagem muito cautelosa, em comentários sobre a dívida pública e a política fiscal. Longe de qualquer referência a esse risco, o Copom continua, no entanto, chamando a atenção para a importância da responsabilidade fiscal.

A mensagem apareceu, de novo, no informe divulgado depois da última reunião do colegiado. Os juros tenderão a subir, voltou a advertir o comitê, se houver dúvidas sobre a pauta de reformas e alterações permanentes no ajuste das contas públicas. As possíveis alterações incluem a eventual manutenção dos estímulos fiscais usados como resposta à pandemia.

O “risco fiscal elevado” – expressão sem disfarce – reforça o perigo de inflação mais alta no horizonte da política monetária, isto é, nos próximos dois anos. Apesar disso, as projeções ainda apontam alta de preços, nesse período, em ritmo compatível com as metas oficiais. Permanecem, portanto, segundo a avaliação do Copom, condições para a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 2% ao ano.

Essa avaliação envolve uma aposta um tanto ousada. A nota menciona o aumento recente das pressões inflacionárias, mas o choque é qualificado como temporário. Diante de números acima dos esperados, o Copom elevou sua projeção para os meses finais de 2020, mas preservou as expectativas de inflação contida a partir daí. De toda forma, o comitê continuará monitorando a evolução das pressões e dos indicadores.

A explicação do recente choque inflacionário é o ponto mais interessante dessa passagem. O texto realça a “continuidade da alta nos preços dos alimentos e dos bens industriais, consequência da depreciação persistente do real, da elevação de preço das commodities e dos programas de transferência de renda”.

Se a ordem das palavras faz diferença, essa análise atribui mais importância à alta do dólar, como fator inflacionário, do que às condições do mercado internacional e ao nível da demanda doméstica. Faltou explicar a depreciação do real, ou, como contrapartida mais visível, a valorização da moeda americana diante da brasileira.

Eventos internacionais explicam parte da movimentação cambial, mas as causas internas são importantes e manifestam-se com frequência. As causas internas mais visíveis têm sido as tensões políticas e as incertezas sobre a evolução da política fiscal. Essas incertezas são acentuadas pelas pressões por maiores gastos.

A equipe econômica tenta resistir, mas os ministros favoráveis aos gastos contam com a tolerância presidencial. Além disso, o presidente cuida prioritariamente, há muito tempo, da reeleição e de outros objetivos pessoais. Eventuais declarações em defesa do teto de gastos são insuficientes para disfarçar as preocupações eleitorais e a desatenção à política fiscal e ao endividamento. O presidente é o sujeito oculto de pressões inflacionárias e do agravamento do risco fiscal. O BC só pode alertar. Conter o presidente ultrapassa as suas funções.

 

Incompetência e a barreira dos 100%

Com a perspectiva de recorde negativo, País pode enfrentar em 2021 uma crise da dívida

Adriana Fernandes*, O Estado de S.Paulo

 

 

Em dezembro de 2017, o governo anunciava que um dos principais indicadores da sustentabilidade das contas públicas estava perto de atingir um limite perigoso. O Banco Central tinha acabado de projetar que a dívida bruta do País fecharia em valor bem perto de 80% do PIB no ano seguinte.

Chegar a 80% era considerado na época uma espécie de barreira a ser evitada a qualquer custo, a partir da qual, se rompida, a leitura seria imediata: um aumento considerável dos riscos para a execução das políticas monetária e fiscal diante da percepção de uma trajetória explosiva do endividamento público. Agências de classificação de risco entendiam que esse patamar indicava um quadro de descontrole da dívida para economias emergentes com o perfil como o do Brasil.

Pois nessa sexta-feira, o BC anunciou oficialmente que a dívida bruta ultrapassou a barreira de 90% do PIB. E o Ministério da Economia reconheceu, pela primeira vez, que o indicador vai ultrapassar os 100% do PIB nos próximos anos.

Pelas novas projeções, o Brasil fecha 2020 numa combinação perversa: as dívidas bruta e líquida (que desconta as reservas internacionais) chegam ao final do ano em patamares recordes. O pico anterior da dívida líquida, que por muitos anos cumpriu o papel de principal indicador de solvência do Brasil, tinha sido na crise econômica brasileira de 2002.


Pelas novas projeções do BC, o Brasil vai fechar 2020 numa combinação perversa para as contas públicas. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Naquela época, a dívida líquida havia subido por conta da alta do dólar provocada pelo temor de que Lula, caso eleito presidente da República, daria um calote. Com o compromisso assumido pelo ex-presidente de manter o tripé macroeconômico, o dólar caiu e a dívida líquida também.

Agora, como Brasil tem hoje mais ativos do que passivos em dólar, a queda da moeda norte-americana não reduz o endividamento como aconteceu em 2002. Pelo contrário, pode até piorar se o câmbio recuar. O problema, portanto, passa a ser estrutural.

A perspectiva de duplo recorde negativo da dívida do País reforça a percepção de que o governo flerta com a falta de planejamento e pode enfrentar em 2021 uma crise da dívida. Além do fantasma da segunda onda do coronavírus, que já é realidade na Europa, enquanto o Brasil ainda nem saiu da primeira.

Se o governo precisar injetar mais recursos na economia, como fazem agora os países europeus, a demora e a desorganização para a arrumação da casa trará custos ainda maiores.

Pela fotografia de hoje dos números projetados pelo próprio governo, Bolsonaro entrega para o seu sucessor, mesmo que seja ele próprio no caso de uma reeleição, um quadro muito pior daquele que foi entregue ao ex-presidente Lula.

Impossível não deixar de registrar que, enquanto a espiral negativa cresce, a semana passou com o presidente da República concentrado em reduzir tributo para videogames, renovar incentivos para a indústria automobilística, e acirrar disputas políticas sobre vacinas.

O ministro Paulo Guedes renovou mais uma vez a guerra santa com seu desafeto e colega de Ministério, Rogério Marinho, e de quebra subiu o tom dos ataques à poderosa Febraban, a associação dos grande bancos.

O articulador político do governo, o ministro Luiz Eduardo Ramos, que deveria estar em campo para encaminhar os problemas, se envolveu numa briga de tuítes com o ministro do Meio AmbienteRicardo Salles.

Se não bastasse esse cenário de desgoverno, a ciranda chegou até o presidente da Câmara dos DeputadosRodrigo Maia, e foi parar no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Tudo isso numa única semana.

Líderes governistas dizem que tudo estará encaminhado até o final de 2020 e que há uma tentativa de pintar o caos. Talvez seja isso que eles queiram. Deixar passar no Congresso tudo bem rapidinho com aquelas votações relâmpagos de fim de ano - chamadas de fim do mundo - que só se descobre o estrago tempos depois. O caos são eles!

*REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

 

AMERICANOS VOTARÃO EM MASSA NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

 

Americanos que nunca votaram vão em massa às urnas

Na reta final, democratas e republicanos tentam atrair voto de eleitores que se abstiveram nas eleições de 2016

Redação, O Estado de S.Paulo

 

Donald Trump e Joe Biden intensificaram na sexta-feira, 30, a campanha nos Estados do Meio-Oeste. O presidente passou por Michigan e Minnesota. O democrata esteve em Iowa. O Wisconsin recebeu ambos. O objetivo é atrair os eleitores que nunca votaram – e estão indo em massa às urnas este ano.

Ryan Walsh, de 32 anos, jamais votou em uma eleição presidencial. Ele não se identificava com nenhum partido, mas planeja votar em Trump. “Morro de medo de ver Biden no poder, aprovando todas essas medidas que vão acabar com a economia”, disse. Os eleitores que não saíram de casa para votar em 2016 são a “arma secreta” de Trump, disse Walsh, que vive nos arredores de Pittsburgh, na Pensilvânia.


Biden teria 85% de chances de vencer se a eleição americana fosse hoje, segundo nosso modelo estatístico

 

Geraldine Folk, de 82 anos, votou em Biden pelos correios Foto: Ruth Fremson/NYT

Atrás nas pesquisas, o presidente precisa de mais votos como o de Walsh. Cerca de 24% dos 424 mil republicanos que já votaram na Pensilvânia não participaram da eleição de 2016. O número é parecido do lado democrata: são 1,3 milhão de votos enviados, sendo que 1 em cada 4 não votou na outra eleição.

Ambos os partidos estão alcançando a mesma meta: motivar um grande número de eleitores que normalmente se abstêm durante as eleições. A tendência observada na Pensilvânia também se manifesta em 14 Estados-chave, onde mais de 10 milhões de pessoas que não votaram em 2016 já emitiram seu voto este ano – um quarto da votação antecipada.

Disputa

Por enquanto, o número de eleitores democratas que não votaram em 2016 e estão votando agora é maior que o de republicanos. “Em todo o país, os democratas têm uma previsão de 14,5% de vantagem entre os eleitores que se abstiveram em 2016”, disse Tom Bonier, diretor da TargetSmart, empresa de dados ligada ao Partido Democrata.

Isso ocorre porque Trump afastou muitos de seus eleitores da votação pelo correio com as alegações de fraude. Na terça-feira, espera-se que os republicanos sejam maioria na votação presencial, equilibrando a disputa.

No entanto, analistas observam que a alta não é impulsionada pelos eleitores que completaram 18 anos desde 2016. O número de pessoas com 50 anos ou mais (6,4 milhões) é maior que o de pessoas com menos de 30 anos (4,9 milhões).

Geraldine Folk, de 82 anos, de Fleetwood, na Pensilvânia, enviou recentemente seu voto em Biden pelo correio. Foi seu primeiro voto para presidente. “Em toda a minha vida, nunca vi um presidente assim, e olha que já passei por muitos”, disse ela, referindo-se a Trump. “Odeio sua forma de governar. É uma vergonha.”

Brittney Robinson, diretora do comitê republicano na Pensilvânia, disse que o partido fez um “imenso investimento em dados” que foram usados para “encontrar as pessoas que apoiam o presidente, mas que não votaram em 2016”. A campanha de Biden, porém, disse que a parcela do eleitorado de Trump não cresceu, mesmo com ele mobilizando mais apoiadores.

“Nossa estratégia na Pensilvânia sempre foi mobilizar nossa base nos redutos democratas para que de fato votem, expandindo nosso avanço nos subúrbios, e recuperar eleitores que deram uma chance a Trump em 2016 ou se abstiveram na eleição passada”, disse Brendan McPhillips, diretor estadual da campanha de Biden.

Apesar dos esforços da campanha do presidente para expandir o apoio, pesquisas mostram que o resultado está abaixo de 2016. Sondagem recente do New York Times/Siena College deu vantagem de 13 pontos porcentuais ao presidente entre o eleitorado branco sem diploma da Pensilvânia – uma queda considerável em comparação aos 32 pontos que ele tinha contra Hillary Clinton, em 2016. Um sinal de problemas para Trump. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL